O que é o princípio da subsidariedade?

Explicação deste importante princípio da Doutrina Social da Igreja... e da Lei Natural


Em grandes linhas, é o seguinte: a autoridade, a responsabilidade e o poder pertencem à menor instância capaz de lidar com ele. Além disso, só pode ser promulgada uma lei (sempre pela menor instância possível) que esteja de acordo com a Lei Natural e com os costumes locais. quando ela não obedecer a estes critérios, ela é nula e só deve ser obdecida para evitar conseqüências desagradáveis ou escândalos, e em alguns casos não pode ser obedecida de modo algum.

Quando uma instância se vê incapaz de cumprir um seu dever, ela deve apelar à instância imediatamente superior, que recebe da inferior, subsidiariamente, o poder necessário para cumprir o dever da instância mais baixa, que deixa de ser dever exclusivo desta para tornar-se dever das duas.

Vejamos alguns exemplos para esclarecer esta definição tão sumária:

1 - Um menino de cinco anos consegue acender e apagar a luz de seu quarto. Logo, compete a ele acender apagar esta luz, não a outros. Já um menino de três não consegue. Logo, passa a competir à instância imediatamente superior (seu irmão mais velho ou seus pais) acender e apagar a luz por ele, de preferência com a colaboração dele.

2 - Ainda no mesmo tipo de exemplo: um menino e cinco anos sabe preparar o seu achocolatado, mas o lugar onde fica o açucareiro é muito alto para ele. Compete então a ele preparar seu achocolatado e a seus pais pegarem o açúcar ou, de preferência, mudarem o lugar do açúcar para que fique ao alcance dele.

3 - Uma doença potencialmente mortal é transmitida por mosquito, que devem ser combatidos para preservar as pessoas. Esses mosquitos nascem em água limpa e parada. Compete portanto a cada indivíduo eliminar de sua residência os recipientes destampados de água limpa e parada. Quando, porém, uma velhinha não consegue alcançar a laje de sua casa, ela transmite este poder e este dever à instância imediatante superior, ou seja, à vizinhança, e compete aos vizinhos ajudar a velhinha, subindo na laje e verificando se não há focos.

Deu para entender?

Vejamos agora quais são as conseqüências da obrigatoriedade deste princípio:

1 - Ninguém pode arrancar de uma instância inferior aquilo que é seu direito nem impedi-la de cumprir o seu dever. Mesmo quando seu dever é subsidariamente dado a uma instância superior, ele continua sendo o seu dever e esta instância inferior partilha da responsbilidade.

1a - Assim, por exemplo, um pai que, por incapacidade de cumprir esta tarefa (digamos que ele seja analfabeto), dê subsidariamente a um professor ou a uma escola o direito e o dever de ensinar o seu filho não está livre deste dever. Ele tem a obrigação de verificar o que está sendo ensinado a seu filho, como isso ocorre, etc. Assim, se a escola faz, por exemplo, campanha pela promiscuidade sexual ("use camisinha!"), ele tem o dever de fazer com que isso pare, seja mudando seu filho de escola, seja reclamando, etc. O fato de ele ter dado à escola o direito e o dever de ensinar o seu filho não dá à escola nem o direito de ensinar algo que vai contra a Lei Natural nem a autoridade de ir contra o que o pai deseja. Do mesmo modo, como a responsabilidade continua sendo primordialmente dele e apenas subsidariamente da escola, ele responderá a Deus se houver pecado por omissão; como a escola age com seu poder subsidário, é como se ele mesmo estivesse ensinando coisas erradas.

1b - Um agricultor precisa aplicar fertilzantes em sua plantação, que é muito grande. A melhor mneir de apliça-los é com pulverização aérea. Ora, ele não tem um avião. Assim, ele contrat uma empresa de pulverização aérea, que recebe dele o poder e o direito subsidiário de pulverizar sua plantação. Eles não têm nem o direito de impedi-lo de escolher qual o fertilizante que será usado nem de decidir por ele qal área precisa de pulverização e qual não precisa, pois o poder que lhe foi outorgado é subsidário do poder inerente ao proprietário, e compete a ele tomar as decisões. Se eles deixarem de pulverizar uma parte da plantação ou usarem o produto errado, a responsbilidade por isso será tbm dele, que foi omisso no seu dever e não verificou se o serviço foi feito corretamente.

2 - Uma lei só pode ser considerada válida quando estiver dentro do estritos limites do poder da instância superior (recebido subsidariamente da instância inferior), ou seja, quando ela for necessária para o cumprimento do dever, não violar os direitos da instâncias inferiores e não for contrária à Lei Natural. Uma lei inválida e nula (ou seja, que não obedeça ao exposto acima) não obriga em consciência as instâncias inferiores, e pode até mesmo ser criminosa e obrigá-las em consciência à desobediência.

2a - A lei carioca que determina quais tipos de árvores podem ser plantados em cada "tipo" de rua (castanheiras só podem ser plantadas em avenidas; abacateiros são restritos às ruas de subúrbio, etc.) é nula por exorbitar do estritamente necessário ao cumprimento do dever do Estado (no caso, o cuidado geral com a cidade, que dá ao Estado o direito de, por exemplo, não permitir que sejam construídas casas entre as pistas de auto-estradas, ou ainda em áreas de iminente perigo de desabamento). Ela, assim, não obriga em consciência. Quem desejar plantar um abacateiro em sua calçada (tomando a precaução de não prejudicar o fluxo de pedestres, comprometendo-se a manter a calçada limpa, etc.) tem todo o direito de fazê-lo apesar da postura municipal que o proíbe.

2b - Uma lei que, por exemplo, proíba a venda de frituras em colégios é nula. Isso ocorre porque compete aos pais dos alunos determinar se seus filhos podem ou não comer frituras, não ao Estado, e se um pai deseja que seu filho coma frituras este é um direito seu, que não pode ser violado. Assim, um pai de aluno pode subsidariamente dar ao dono da cantina escolar o poder de não vender frituras a seu filho, mas o Estado não pode proibir de modo generalizado a venda. Esta é uma lei nula, que não obriga em consciência. Assim, está perfeitamente correto o dono de cantina que vende frituras "clandestinamente", "desobedecendo" a uma lei que não requer obediência.

2c - Já a lei do Rio de Janeiro que obriga os delegados de polícia a indicar às vítimas de estupro lugares onde elas possam assassinar uma criança que tenha sido concebida no estupro não só é nula, mas obriga em consciência à desobediência. Isto ocorre porque ela vai contra Lei Natural. Um policial não apenas não tem o dever de obedecer a esta lei, mas tem o dever de desobedecer (D. Eugenio Sales, aliás, declarou isso e provocou a maior confusão!). O policial que obedece a esta lei está na verdade cometendo um crime, um pecado gravíssimo.

Ficou claro? É um tanto ou quanto difícil entender este princípio se não nos aplicarmos um pouco, pois o modelo de organização legal da sociedade hodierna é completamente contrário ao princípio da subsidariedade. O raciocínio que é empregado na imensa maiori das vezes e que serve de pseudo-justificação de novas leis é o oposto diametral desta princípio, na verdade, pregando o Estado como a fonte de direitos que seriam concedidos por eles às instâncias inferiores.

Assim, pela Doutrina da Igreja, os poderes do indivíduo são repassados subsidariamente à família (primeira célula da sociedade); os da família são repassados subsidariamente à vizinhança (rua, paróquia, bairro, etc.); os da vizinhança são repassados aos municípios, e os destes são repassados aos estados, que por sua vez podem repassar os seus ao Estado central. Isto só pode ocorrer, porém, na estrita medida das necessidades, sem violar os direitos das instâncias inferiores e sem violar a Lei Natural.

Isso faz com que, por exemplo, um município não tenha o direito de legislar sobre absolutamente nada que as famílias ou bairros sejam capazes naturalmente de decidir e fazer; que um estado não tenha o direito de legislar sobre algo que está dentro da capacidade dos municípios, e que o Estado central não possa legislar sobre algo que os estados têm a capacidade de fazer. Pela Doutrina da Igreja, os poderes dos municípios, estados e governo central têm que ser muitíssimo menores que o que ocorre atualmente. São Tomás de Aquino certamente classificaria os governos atuais como tiranias inimagináveis, tamanha a usurpação de poderes das instâncias inferiores que eles cometem. Mesmo nas monarquias absolutistas (posteriores ao tempo de S. Tomás) o governo central não se arrogava o direito de ingerência no governo dos municípios (por exemplo retirando deles seu direito de polícia própria) ou, muito menos, das famílias (por exemplo, obrigando os pais - mesmo os capazes de prover instrução de primeira ordem! - a colocar seus filhos em escolas cujo currículo eles não podem alterar ou escolher, sob pena de terem seus filhos seqüestrados pelo Estado).

Bão, explicado isso (que não é de direito civil, sim de Doutrina da Igreja), vejamos agora como isso se aplica ao tópico mais "quente" do momento:

Os diversos níveis da segurança e o princípio da subsidariedade

Antes de mais nada, devemos definir os diversos níveis de segurança e de defesa, para podermos ver a quem compete cada nível. A "segurança", definida como proteção contra agressões externas, apreensão, julgamento e punição do culpados destas agressões, ocorre indubitavelmente em diversos níveis diferentes (de acordo com a vítima da agressão), sendo portanto da competência de várias instâncias diferentes, de acordo com o nível da agressão. Lembremos que a instância a julgar não pode ser uma das partes, ocorrendo então uma transferência subsidária de poder a uma outra instância para que ela faça o julgamento. Uma briga entre irmãos deve ser julgada pelos pais, por exemplo, não por um dos irmãos brigões.

Iremos portanto do mais alto ao mais baixo.

1 - O nível de mais alto de agressão é o cometido contra Deus e Seus Santos. Esta agressão, de gravidade infinita por atingir uma Majestade infinita, é de um gênero à parte dos outros tipos de agressão. Afinal, uma agressão contra Deus e Seus Santos não pode Lhes causar dano! Não está, assim, em questão o princípio de defesa, mas apenas a necessidade, imposta pela Justiça, de apreender, julgar e punir os culpados. Por sermos todos nós filhos e criaturas de Deus - logo atingidos no que temos de bom por um ataque contra o Bem em Si, qualquer pessoa é capaz de apreender para levar a julgamento quem cometa tamanho crime. Este julgamento de um agravo infinito, porém, compete à maior instância possível, ou seja: a Igreja. É por isso que a Santa Sé sempre reservou o julgamento das vítimas de heresia a tribunais eclesiásticos. A punição do culpado tampouco pode ser feita por qualquer um, sim pela própria Igreja ou por alguém que dela receba autorização de proceder a esta punição (normalmente o Estado).

2 - O segundo nível de agressão seria uma agressão contra toda a espécie humana. Esta agressão, possível apenas em tese (ETs, sei lá), já estaria coberta pelo princípio de auto-defesa. Competiria a toda a humanidade lutar contra esta agressão; para que possa ocorrer um exercício efetivo de resposta, seria necessário fornecer subsidariamenteo poder necessário para tal a uma instância superior, que não poderia exceder destes limites. Prefiro não entrar em detalhes sobre julgamento e punição, pois isso implicaria entrar em outra questão delicada e cuja resposta não poderíamos saber, ou seja, o estado ontológico e pneumológico das almas dos atacantes. Já é ficção científica demais. :)

3 - O terceiro nível de agressão é já bastante comum: é a agressão contra uma parte da humanidade por outra parte. São as guerras de agressão, os genocídios, etc. Neste ponto também entra o princípio de ato-defesa. É portanto um direito inalienável dos agredidos defender-se contra o agressor, neste caso específico. Assim, os judeus tinham pleno direito de resistir a bala aos nazistas (como fizeram heroicamente em Varsóvia; os judeus alemães foram previamente desarmados, junto com todo o resto da população civil, pelos nazistas), exatamente como o tinham os russos, os poloneses, etc. No caso dos agredidos não terem a capacidade de reagir à agressão de maneira eficaz, eles podem dar subsidariamente este poder a outra instância (no caso da Segunda Guerra, a Inglaterra formou outra instância superior ad hoc, com a Rússia, os EUA - que não haviam sido agredidos pelos nazistas - e outros aliados de ocasião, entre eles o Brasil). Esta instância superior tem assim o dever de ajudar na proteção da inferior. Este seria, aliás, um direito e um dever de caridade de qualquer outra instância paralela. Os católicos alemães e poloneses, por exemplo, tinham o direito e o dever de ajudar a salvar os judeus.

Este dever pertence, portanto, primariamente à entidade agredida (no caso comunidades inteiras), que recebe então das instâncias inferiores que as compõem o poder subsidario de refrear este ataque. Esta é por exemplo a fonte da legitimidade da liderança judaica no gueto de Varsóvia, que recebeu de cada indivíduo e cada família o direito de coordenar e gerir a defesa contra as tropas nazistas. Do mesmo modo, é asim um direito de um Estado ter um Exército para combater agressões externas. Este direito, porém, não é infinito, sim restrito ao cumprimento deste dever subdiário. O Exército pode e deve combater inimigos da Nação (outros exércitos que a invadam, movimentos subversivos de âmbito nacional, etc.), mas não pode exorbitar deste direito (por exemplo, trancafiando os descendentes de japoneses como os EUA fizeram na guerra contra o Japão).

A defesa de uma nação, portanto, compete às Forças Armadas, que recebem subsidariamente das instâncias inferiores que a compõem os poderes necessários para isso, e só estes poderes. O julgamento dos culpados, porém, deve competir a uma instância superior, não a uma das partes em conflito. No caso da Segunda Guerra, por exemplo, os julgamentos de Nuremberg julgaram os criminosos de guerra alemães mas não os americanos e ingleses, o que deveria ter acontecido e aconteceria se este jugamento houvesse sido feito por uma instância superior (como a Igreja).

4 - O quarto nível de agressão não é tão comum hoje quanto o foi no século passado: a agressão de uma parte da nação contra outra, ou de um parcela não-organizada como Estado contra outra dentro do mesmo Estado. É o caso atual das batalhas entre hindus e muçulmanos na Índia, por exemplo. Isto pode ocorrer de várias formas (guerras entre estados ou províncias, guerras religiosas fratricidas, hordas agressivas, etc.). Mais uma vez, há o recurso à auto-defesa. A parte agredida tem o direito e o dever de resistir à agressão injusta e pode apelar a uma instância superior se não for capaz de resistir sozinha, dando-lhe o poder necessário, e só ele, para interromper a agressão. Do mesmo modo, instâncias paralelas podem interferir em prol da justiça, por caridade. Uma província pode ajudar a outra invadida por um terceira, por exemplo, recebendo então subsidariamente o poder de intervenção. O julgamento deve ser feito por um instância superior às envolvidas, no caso o próprio Estado, se for isento (não é o caso da Índia). O poder de julgar, porém, será concedido subsidariamente pelas instâncias inferiores (ainda que por renúncia implícita no caso da agressora).

5 - O quinto nível de agressão já é infelizmente bastante comum. É a agressão contra um pequeno grupo comunitário (uma família, um condomínio) por um indivíduo armado ou por um grupo de indivíduos (uma gangue de assaltantes ou pivetes). Também vale o princípio de auto-defesa, e a família ou condomínio agredido tem o direito e o dever de defender-se. Caso os atacantes estejam acima da capacidade de defesa daquela comunidade (por exemplo, um "bonde" de traficantes fortemente armados que invada um condomínio residencial), a instância agredida pode apelar a outra instância superior (como uma força policial metropolitana), cedendo-lhe então ad hoc o poder necessário para interromper a agressão, e só ele. Mesmo quando a instância agredida tenha a capacidade de defender-se e interromper a agressão, porém, ela não tem a capacidade de julgar e condenar os culpados. Compete portanto a uma outra instância superior efetuar o julgamento dos criminosos e, caso tenham fugido, persegui-los e apreendê-los para levá-los a julgamento.

Um agricultor que tenha a sua propriedade invadida pelo MST, assim, tem todo o direito de defendê-la pela força e de apelar à polícia ou à coletividade dos agricultores vizinhos (que podem organizar uma milícia de auto-defesa) se sua força não for suficiente. Ele não tem, porém, o direito de julgar e punir os culpados, apenas de interromper a agressão. Quando o último deles saiu da sua propriedade, ele deve cessar fogo imediatamente. Compete a uma instância que seja superior ao agressor e ao agredido levar a julgamento os agressores (no caso o município ou o estado, por exemplo; se entre os invasores houver subversivos de âmbito nacional, pode cair na competência do Estado central julgá-los se cada estado onde ele houver feito das suas ceder o seu poder para unificar o julgamento).

Note, porém - já alcançamos o debate em curso, reparou? -, que o poder da instância superior (polícia, milícia de agricultores) é exclusivamente subsidário ao poder do agricultor agredido. Eles não têm e nem podem ter o monopólio da força e do direito de defesa. A defes da propriedade continua sempre sendo da responsabilidade o agricultor invadido, quer seja ele auxiliado pela polícia ou pela milícia, quer não. Nem a polícia nem a milícia têm o direito de desarmá-lo sob o pretexto de que competiria a elas garantir a sua segurança. A elas pode competir apenas o poder subsidiário que lhes seja concedido pelo agricultor, e não mais que isso. Eles não podem ocupar sua propriedade para impedir o acesso dos invasores sem sua autorização, por exemplo (e isso vale tanto para uma casinha de colono quanto para um pasto ou uma metralhadora .50 que ele venha a possuir). É exatamente isto o que ocorre com uma família em viagem, por exemplo. Nem a polícia, nem os municípios atravessados, nem nenhum outra instância tem o poder de retirar deles o que é de sua propriedade e é necessário para sua defesa, como, por exemplo, uma arma no carro), ainda que o chefe da família possa dar subsidariamente a um grupo de policiais o direito de dar ordens específicas pertinentes ao poder que recebem subsidariamente dele para defesa da família. O policial pode assim ordenar durante um tiroteio que a esposa e os filhos mantenham-se abaixados atrás do motor do automóvel, mas não pode retirar do pai de família seu direito de cumprir o seu dever e participar da ação de defesa.

6 - O sexto nível de agressão é o individual (uma pessoa contra outra, ou várias pessoas contra uma só). Também neste caso temos em ação o princípio da auto-defesa, com uma difereça: como se trata apenas de si mesmo, o indivíduo agredido tem o poder de decidir não reagir. Um pai de família não tem o direito de negligenciar a proteção daqueles que Deus lhe confiou, por exemplo. Peca horrivelmente o esposo que não reage quando sua esposa é estuprada por criminosos. Já a pessoa que está em perigo tem o direito de, se assim o desejar, não reagir. Este direito, porém, não pode ser-lhe imposto. Ela tem tanto o direito de não reagir quanto o direito de reagir proporcionalmente, usando dos meios necessários, cujo acesso não lhe pode ser vedado (ou estaria sendo coarctado indiretamente o seu direito de reagir em defesa própria).

Quando a defesa pode ser feita pelo indivíduo, a ele compete defender-se (por exemplo, se um bêbado agressivo avança em sua direção e bloqueia a única saída, vc tem todo o direito do mundo de dar-lhe um safanão para sair). Se ele for incapaz de assegurar a sua própria defesa (por exemplo, se o bêbado avança para uma mulher fraca), o indivíduo agredido tem o direito de delegar subsidariamente algum poder a uma instância superior (o pessoal que está em volta, por exemplo, no caso do bêbado, ou o irmão mais velho de uma criança agredida por outra, etc.), mas este poder é exclusivamente limitado à necessidade de interromper aquela agressão, e não pode coarctar os direitos do indivíduo. assim, nos exemplos vistos acima, o pessoal do bar não pode trancar a moça em um quarto contra vontade dela para que ela fique fora do alcance do bêbado, e o irmão mais velho do menino agredido não pode tirar do bolso dele o pacote de figurinhas que o outro menino cobiçava e entregá-lo ao agressor "para acabar com o conflito".

Exatamente do mesmo modo, a polícia pode agir apenas em função do poder que lhe é delegado pelo indivíduo (ou, no quinto nível, pela família ou coletividade local), e não tem o direito de coarctar o direito inalienável de defesa de família ou do indivíduo sob o pretexto de "estar encarregada de sua segurança". O máximo que ela pode fazer é "lavar as mãos" e recusar-se a intervir quando ele se recusa a seguir seus conselhos sensatos (por exemplo, se um indivíduo sai todos os dias de sua joalheria na mesma hora, desarmado e carregando meio quilo de ouro, a polícia tem todo o direito de negar-se a atender os seus chamados se ele continua a fazer a mesma coisa depois de alertado; do mesmo modo, um imão mais velho de um menino que tem o hábito de provocar garotos maiores pode não atender a seus apelos de socorro se o menino persistir em negligenciar sua própria segurança), mas não pode desarmar o indivíduo, proibi-lo de andar aqui ou ali, ou coarctar de qualquer outra maneira a sua liberdade individual soberana e inalienável.

Uma tal coarctação só pode ocorrer como pena, ou seja, se o sujeito abusa de um determinado direito (quem dá tiros a esmo está abusando do direito de portar uma arma, por exemplo), ele pode ser privado deste direito (ou de outro, como o de ir e vir) como pena após julgamento individual e justo feito por uma instância superior.

Deu para entender agora qual é a questão? A questão não é se uma lei que impede as pessoas honestas de portar armas é bem fundamentada ou tem efeitos bons (vc acha que tem, contrariamente às estatísticas. É um direito seu), sim o que cargas d'água poderia fazer passar pela cabeça de alguém a idéia de que o Estado teria o direito de promulgar esta lei, evidentemente nula de pleno direito e que não obrigaria jamais em consciência.

A única razão plausível para sequer cogitar que esta lei poderia ser legítima é a ignorância da Doutrina Social da Igreja e de seu princípio básico, a subsidariedade.



©Prof. Carlos Ramalhete - livre cópia na íntegra com menção do autor
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