Comunismo

Sobre a mentalidade comunista e como lidar com ela, suscitado por uma dúvida inusitada: como condenar o comunismo fazendo recurso aos Padres da Igreja?

Perguntaram-se se há como recorrer aos Padres da Igreja para condenar o comunismo. Ora, isto não é necessario: o que não falta é condenação do Magistério ao comunismo. É também evidente que podemos encontrar textos em que, de passagem, os padres da Igreja vituperam o assassinato. A questão, porém, é que apesar de o assassinato ser um crime antigo (desde Caim e Abel) a idéia de que vidas humanas podem e devem ser terminadas de maneira violenta, à moda chinesa, para evitar a superpopulação, ou qualquer delírio do gênero, é uma idéia nova que - por simplesmente não existir naquele tempo - não foi objeto de ataque dos Padres da Igreja.

Na verdade isso faz parte da enorme virada do pensamento moderno, que - ao contrário de tudo o que sempre foi crido por todos os povos - lança para o futuro a perfeição. Explico: em todas as culturas mais estabelecidas sempre houve a noção de um tempo primevo bom, seguido por desordem crescente. Esta noção, de que caminhamos sempre para o pior  - ainda que com uma lembrança (não necessariamente pessoal) de um tempo melhor para nos iluminar o caminho e inspirar desejos de uma retomada da situação anterior -, foi substituída a partir de Kant por uma utopia futura para a qual deveriámos nos encaminhar (e, em Hegel e depois Marx, esta utopia passou a ser uma "necessidade histórica" inescapável). A ordem das coisas assim foi revertida. Ao invés de procurarmos conter as forças da entropia, estamos - para os modernos - em perpétua "evolução" rumo a uma utopia futura. No comunismo isso é ainda mais forte.

O comunista não vive no hoje, tendo aprendido com o ontem a buscar a eternidade, como o cristão, mas sim vive no amanhã imaginário de seus sonhos, vendo o hoje como uma ilusão. Assim, cada acontecimento, cada decisão do comunista ocorre (ou melhor, ocorreria, pois isso é tão contrário à natureza humana que graças a Deus ainda persiste um pé na realidade, ainda que de maneira algo esquizofrênica: comunistas tbm amam) como não uma decisão consciente das circunstâncias, mas em função de um determinismo histórico sob o qual isto deveria ser julgado. Assim, se matar as criancinhas (ou os kulaks, ou qualquer um) parece fazer com que se avance mais rapidament rumo à utopia, isto é correto. Não importa se as criancinhas choram, se o sangue dos mortos cobre o chão e mancha as paredes; não é em funcão do presente (julgado inexistente  nao ser como etapa evolucionária sempre já ultrapassada), mas do futuro utópico que os atos presentes são julgados (há um artigo interessante sobre os devaneios socialistas em http://www.nybooks.com/articles/14864. Excerto: "The German Communist Wolfgang Leonhard, who grew up in Moscow, describes his confusion when in 1935 he and his mother sought to replace their outdated 1924 map of Moscow and discovered that the new map contained all the improvements destined to be completed by 1945: 'We used to take both town plans with us on our walks from then on—one showing what Moscow had looked like ten years before, and the other showing what it would look like ten years hence.' As Brooks says, 'what had vanished or, more exactly, become compressed between two dream worlds was the present.'"*).

Tal negação da realidade e da natureza humana força a uma dicotomia interna bem esquizóide, que é percebida por quem não é comunista como auto-contraditória por parecer negar agora o que falava há dois minutos, ou julgar com dois pesos e duas medidas, etc. A questão é que o referencial do comunismo é outro, é tudo ao contrário. Não é a experiência do passado que ajuda a perceber os perigos do futuro, mas a utopia futura "garantida" é que justifica os atos presentes. É o "homem novo" do futuro que justifica o assassinato do presente e a vituperação ou oblívio do passado. Só há um problema: este "homem novo:, esta utopia que avaliza os piores massacres, não existe. "Não existe ainda",  diria o comunista. Na verdade, porém, nós que vivemos no presente sabemos que o que não existe no presente ou bem já acabou, ou bem é incerto.

Esta utopia, assim, seria na melhor das hipóteses algo incerto, e jamais uma justificativa para o que quer que seja no presente. Já para eles, não é que os fins justifiquem os meios; não, matar não é um meio para fazer com que chegue algo que inevitavelmente chegará, sim um meio de apressar e eliminar obstáculos para uma chegada mais rápida desta utopia.

Ora, tamanha inversão da realidade e da percepção naturais do homem é o triste apanágio da era moderna. A irracionalidade que faz com que slogans sejam tomados por prova do que quer que seja tampouco é algo contra o que tenha sido necessário aos Padres da Igreja levantar suas forças.

Infelizmente, portanto, temos que - sempre com a Graça de Deus - lutar com apenas nossas fracas inteligências contra esta nova e irracional ameaça, contando apenas com as orações dos Padres da Igreja...


NOTA:

* "O comunista alemão Wolfgang Leonhard, que cresceu em Moscou, descreve sua confusão quando, em 1935, ele e sua mãe resolveram trocar o velho mapa de Moscou que tinham, impresso em 1924, e descobriram que o novo mapa continha todas as melhorias que deveriam ser completadas até 1945: 'Passamos a levar ambos os mapas conosco a partir de então: um mostrava como Moscou havia sido dez anos antes, e o outro como seria dez anos depois." Como diz Brooks, "o que desaparecera ou, mais exatamente, fôra comprimido entre dois mundos de sonho era o presente."


©Prof. Carlos Ramalhete - livre cópia na íntegra com menção do autor
Aviso ao leitor: Este artigo foi escrito em algum momento dos últimos quinze anos; as referências nele contidas podem estar datadas, e não garantimos o funcionamento de nenhuma página de internet nele referida.

1 comment:

  1. Belíssimo Post.
    Antes ficava com raiva, agora acho apenas patético quando as pessoas falam que o comunismo acabou.

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