Falando de mulheres


O grande (em todos os sentidos) escritor inglês G. K. Chesterton, em seu magistral livro "What's Wrong With the World", que aliás pode ser baixado de graça da Net, escreve acerca da mulher (ele estava mais exatamente falando das "sufragetes", que pediam - e conquistaram - a abominação que é o direito de voto para as mulheres) uma enorme e frequentemente menosprezada verdade:

A mulher tem, em seu temperamento natural, uma capacidade de concentração infinitamente maior que a do homem. Ela, assim, tem uma capacidade que o homem não tem: a capacidade de ser mãe. Não falo apenas no sentido biológico do termo, mas no sentido da criação dos filhos. A mulher consegue ser, ao mesmo tempo, cozinheira, contadora de histórias, médica, professora... Ela não será tão boa cozinheira quanto o "chef' de um restaurante francês, mas certamente contará histórias melhor que ele. Não será tão boa contadora de histórias quando um escritor, mas cozinhará melhor que ele, etc. Mais ainda: ela não apenas consegue fazer tudo isso, mas ao fazer tudo isso consegue aproveitar ao máximo suas capacidades naturais.

A mulher, assim, escreve Chesterton, tem seu lugar natural em um topo de montanha, de onde domina todos os caminhos. Só assim a sua capacidade de perseverança pode ter plena vazão. Quando a mulher se põe a fazer coisas "de homem", quando ela se coloca em uma pequena trailha fechada, que é só o que é acessível ao homem, ela é, por sua perseverança e concentração, infinitamente superior ao homem (é por isso que costumo dizer que "lugar de mulher é na cozinha, pois se elas saem da cozinha dominam o mundo"!).

Chesterton dá como exemplo uma moça que venha a trabalhar em alguma organização ativista qualquer. Em pouco tempo, ela estará mais dedicada à causa da organização que seu próprio fundador, não importando os obstáculos. Isto ocorre porque ela está aplicando a uma coisa pequena, ínfima, a uma coisa feita à medida de um homem, à medida da parca capacidade de concentração e pequena perseverança de um homem, sua infinita capacidade natural. Esta causa, porém, não bastará para ela. Ela será sempre infeliz, sempre incompleta. Esta causa não lhe permite que expanda e use até o fim suas capacidades, como o permite a maternidade.

Entre os judeus, a mulher é dispensada do cumprimento de todos os deveres religiosos com hora marcada. Ela não precisa dizer as orações nas horas certas, por exemplo, enquanto o homem precisa. Isto ocorre porque para o homem, sem esta disciplina, não é possível crescer em santidade. A desordem, a indisciplina, é mais natural e mais forte no homem que na mulher.

Para a mulher, esta disciplina é natural, não adquirida. Costumo dizer que para carregar cem quilos daqui até ali, chama-se um homem., Para carregar cinco quilos por duzentos quilômetros, chama-se uma mulher. Sua capacidade de perseverança e concentração é tão maior que a do homem, que vemos o tempo todo exemplos do uso desta capacidade.

A louca assassina que montou um abortuário em um navio, por exemplo, jamais poderia ser um homem. Digo isso porque ela leva a sua macabra causa a limites que um homem não levaria. Um homem faria campanhas, faria protestos, mas não iria tão longe.

No extremo oposto do espectro, vemos uma religiosa contemplativa ou uma mãe. Elas levam sua dedicação (a Deus diretamente, ou - através dos filhos - indiretamente) a limites imensamente superiores aos que um homem poderia suportar.

O próprio trabalho doméstico, por exemplo, aquele de que nossos ancestrais já diziam que "trabalho de mulher nunca acaba", é algo que está infinitamente além da capacidade da imensa maioria dos homens. Que homem solteiro - a não ser que esteja acostumado a disciplinar-se, forçando à ordem sua natureza decaída, como o faz um religioso ou um militar - mantém sua casa sempre impecável, limpa e arrumada? Que mulher solteira, ao contrário, tem a sua casa desordenada. Pouquíssimas! São elas a proverbial exceção que confirma a regra.

A dedicação no amor, também, é atributo especialíssimo do belo sexo. Mesmo dentre as mulheres do mundo, a que ama não trai. Já entre os homens, o mesmo não ocorre (acerca disso escrevi um artigo que pode ser lido em minha página). Eis a razão pela qual é tão mais comum sabermos de maus padres, que violam seu sagrado voto de celibato, que de freiras que o façam.


©Prof. Carlos Ramalhete - livre cópia na íntegra com menção do autor

Amar e ser amado

O maior engano amoroso, e também o mais comum, é o de quem pensa "eu a amo tanto, que ela deve me amar também".

Daí vem tantas incompreensões e desenganos amorosos.

Pois é esse exatamente um erro que cada vez mais venho encontrando em católicos fiéis e bem intencionados: o ledo engano que é achar que amar significa ser amado. Assim, em nome de um suposto amor aos irmãos, preferem abdicar de sua consciência e colaborar por ato ou por omissão com o erro cometido pelo irmão.

Em muitas ocasiões, uma atitude nossa, movida por amor profundo, não é exatamente aquilo que uma pessoa quer. Quando uma criança, por exemplo, se aproxima da borda de um poço, temos que tirá-la de lá, ainda que ela não concorde e chore muito.

O mesmo acontece, embora de maneira menos evidente, entre adultos. Quando alguém está fazendo algo que vai causar-lhe problemas mais tarde, alguém que realmente o ame certamente deverá alertá-lo.

Mas não é isso o que vemos quando se trata exatamente do que é mais importante cuidar: nossa alma. Muitas pessoas abandonam a Igreja por falta de conhecimento, indo parar nas mãos de seitas e, caso não se arrependam, no Inferno. Realmente não creio que a maior parte dos sectários, ou sequer um número significativo dentre eles, tenha uma perfeita contrição na hora de sua morte, único caso em que poderiam ser salvos.

Assim essas pessoas estão em um estado que, a não ser em casos realmente excepcionais, as conduzirá ao Inferno. Além disso, muitos dentre eles são pessoas que estão realmente buscando fazer o que acreditam erroneamente ser a vontade de Deus. Essas pessoas merecem conhecer a Verdade e nós devemos tentar ajudá-las, exatamente por amor.

Elas estão se encaminhando por entre as brumas, buscando a Salvação. A Salvação está na Igreja. Eles têm uma noção completamente errada do que seja a Igreja (basta ver as acusações absurdas que sempre fazem: imagens, Nossa Senhora...), e por isso lutam contra Ela e blasfemam o nome de Deus.

Assim sendo, é muito difícil falar para eles da Fé, assim como é muito difícil tirar uma criança da beira do poço ou convencer um adulto rico a não cheirar cocaína nas festas com os amigos. Eles já têm preconceitos fortíssimos contra a Igreja, tendo em geral tentado chegar a Deus n'Ela e encontrado política, libidinagem...

Tudo o que é distintivamente católico tem sido obliterado em nome de um suposto amor aos irmãos separados. Ora, o que se tem feito é buscar convencê-los de que a Igreja é "uma igreja" como a deles, que tanto faz ser católico ou protestante, que o amor é lindo e a vida é tão bela...

Ou seja: os católicos estão confundindo amar e ser amado, estão confundindo ajudar com consentir no erro, evangelizar e calar.

Pululam no meio católico posturas como "toda religião leva a Deus" (condenada de modo infalível pela Igreja), "o protestantismo é apenas outra maneira de servir a Deus" (idem), além de vários outros postulados universalistas que sabem a heresia, com tendências a, abdicando de toda doutrina e abandonando os Sacramentos, criar uma pretensa Religião Mundial, União de Homens de Boa Vontade e outras idéias maçônicas.

A catequese é ignorada e a evangelização é proibida. Os protestantes podem vir para a porta da Catedral no dia de Nossa Senhora Aparecida e fazer um mafuá, mas os católicos não podem responder ou sequer buscar trazer de volta os irmãos caídos em heresia.

O que isso produz é triste: os protestantes acusam, e com razão, os católicos de laxidão moral. Ele realmente acham que católicos roubam, andam seminus pelas ruas, embriagam-se cotidianamente, etc., com o beneplácito da Igreja.

Realmente é chocante a maneira como muitas pessoas não conseguem encontrar ajuda na Igreja, que está ocupada demais em "amá-la" e não "assustá-la" com a Verdade.

Na Igreja não acham o Padre, a não ser na hora da Missa (podem até cruzar com ele no corredor, mas aquele sujeito de bermudas e chinelas é o padre?!). Saem da Igreja e vêem um sujeito de terno e gravata, com uma Bíblia debaixo de braço, dizendo que ele era um cachaceiro desempregado e agora é um trabalhador e pregador da Palavra de Deus.

Assim, paradoxalmente, aqueles que têm tantas doutrinas quantos fiéis são escolhidos por aparentarem ter dogmas a dar. Eles parecem organizados, parecem saber o que é verdadeiro, em suma: parece que "Deus deu um jeito neles". Em algumas seitas mais iniciáticas, como os mórmons (aqueles que usam calça social e camisa, cabelo cortado curto e crachá com o nome no peito), costumam ter aparência uniforme e dar ao pobre coitado que está buscando a Deus em sua vida a ilusão de entrar para um "exército de Deus". Os católicos fazem questão de ignorar a doutrina da Igreja, não ajudar a quem procura por achar que isso o ofenderia, sem se dar conta de que estão fazendo algo de muito pior.

É só ver como são contraditórios os sinais que vemos na Igreja: os "progressistas" estão empenhados em tornar a Igreja cada vez mais laxa em termos de doutrina e moral; Frei Betto estava louvando os "casamentos" de homossexuais enquanto a CNBB publicava Nosso Senhor Jesus Cristo, Verbo de Deus por Quem todas as coisas foram criadas, sendo "abençoado" por uma mãe de santo que Lhe dizia que Ele teria um bom orixá!

Enquanto isso, multidões de pobres isolados de sua fé e proibidos das expressões que lhes são mais íntimas abandonam a Igreja em busca de seitas que pelo menos reconhecem que, como a Igreja ensina, o pecado de Sodoma é um dos quatro crimes que bradam aos céus por vingança (a título de curiosidade, os outros são: assassinato deliberado - como o aborto, opressão dos pobres - não em um sentido marxista; mais-valia não caracteriza opressão - e negar a um trabalhador a sua paga). Essas seitas não apenas nunca blasfemariam ao ponto de colocar Nosso Senhor buscando a bênção de demônios, como chegam a invadi-las para quebrar tudo.

O nosso povo está tão desesperado com a atual crise moral e doutrinária da Igreja que está partindo para o exagero oposto, buscando em seitas fundamentalistas ao menos alguma verdade revelada por Deus (leia-se dogma) a que se ater em um mundo evidentemente errado.

Crescem as seitas que exigem saias para as mulheres e véus durante o culto, e vemos na Santa Missa mocinhas de família com roupas que há poucos anos só seriam vistas em calçadas mal iluminadas e no cais do porto.

Tudo isso fruto de um engano: achar que a ordem que Cristo nos deu de amar o irmão significa ser amado por ele ao transigir em tudo, até no essencial.

Muitas vezes nos vemos às voltas com o mesmo problema: Alguém nos lembra o que a Igreja sempre afirmou, ou seja, que o amor consiste buscar o bem do amado, e outra voz levanta-se do Inferno para afirmar, em outras palavras, que amar significa buscar a afeição do amado.

A cada vez que alguém lembra que os hereges estão se encaminhando para o Inferno, vem outro e diz que não devemos ajudá-los a se libertar de tão terrível destino, mas sim "amá-los". Ora, o problema é portanto o seguinte: o que é amor?

Amar não significa ser amado. Amar significa querer o bem daquele que é amado. O Bem em Si é Deus. Todos os outros bens o são apenas por refletirem, e sempre de modo imperfeito, o Bem Supremo, que é Deus.

Um herege que se considere salvo e esteja feliz em sua seita tem nesta felicidade um bem apenas aparente, visto que ela o separa na verdade de Deus.

Amá-lo significa, neste momento, deixá-lo cheio de dúvidas a respeito daquela seita que lhe parecia tão boa, mostrar a ele a insensatez dos líderes a quem serve, para que ele possa se abrir à Graça de Deus e voltar à Única e Verdadeira Igreja.

O fato dele ser batizado só torna mais premente a sua necessidade de cumprir os Mandamentos, assistir o Sacrifício de Cristo na Missa dominical e dos dias de festa, comungar pela Páscoa e confessar seus pecados para receber do sacerdote, que ae na Pessoa de Cristo, o perdão de seus pecados.

Ele certamente não ficará contente logo de início, não. Mas é necessário que destruamos as suas falsas convicções para que ele possa vir a aceitar a Verdade.

Amar é portanto o mandamento primordial. E amar significa querer o bem do amado, não querer o afeto do amado. Este amor, que não visa o bem do amado mas o seu afeto, na verdade não é um amor ao próximo, mas sim a si mesmo. É querer ser bem tratado e considerado "respeitador" pelos hereges. É deixar de lado a Verdade Revelada para abraçar o afeto e o carinho daqueles com cujo erro compactuemos.

Isso não é amor, é egoísmo, é falta da caridade mais básica.

Nào devemos procurar a aceitação pelos hereges de nossa pessoa às custas da Verdade, mas sim a aceitação por eles d'A Verdade, d'O Caminho, d'A Vida.

Disse S. Benedito Labri: "Para amarmos verdadeiramente a Deus, devemos ter três corações em um: um coração inflamado de amor a Deus; um coração cheio de caridade para com o próximo; e um coração cheio de desprezo por si mesmo".

Não devemos buscar que nos amem, que nos aceitem, mas sim buscar, na verdadeira caridade (que não se confunde com indulgência!), levar os irmãos à Santidade, à Salvação, ao Bem Supremo. E para isso, eles devem voltar à Igreja.

Amemos, pois: este é o Mandamento primeiro. E amemos verdadeiramente, buscando o bem do irmão amado, a sua Salvação, não o seu carinho e consideração.

Esta confusão tão comum sobre o que verdadeiramente seja o amor é refletida frequentemente pela imprensa. Encontrei no caderno "Vida" do Jornal do Brasil alguns artigos, ocupando várias páginas, sobre a importância do "amor" para prevenir problemas de saúde e combater o estresse.

O mais interessante de tudo foi a definição que deram de amor (mais exatamente a expressão supostamente equivalente que usaram para não repetir demais a palavra "amor"): "apoio emocional"!!!

É exatamente isso que o amor não é. E é exatamente a confusão feita pelos redatores deste jornal a mesma que causa enorme celeuma e pavor entre todos os liberais e modernistas quando alguém lembra delicadamente que a Igreja não só não passa a mão na cabeça de hereges, mas os excomunga, ou que Nossa Senhora mostrou o Inferno para criancinhas.

Apoio emocional é algo totalmente distinto de amor, mas é com esse sentido que parecem ser interpretar esta palavra os que dizem que a Verdade não deve ser pregada e o erro não deve ser combatido em nome de um suposto "amor". Não é amor que pregam esses, é "apoio emocional". É sentar ao lado do herege, passar a mão na cabecinha dele, evitando cuidadosamente os chifres, e dizer: "ah, ninguém te entende, né, queridinho? Mas mamãe taqui contigo, você é um bom menino e está certo, o pEdir Maiscedo é bispo e o céu é verde".

Apoio emocional não é amor. Amor é outra coisa, completamente diferente...

Ap 3,19: "Eu repreendo e corrijo todos os que amo; tem, pois, zelo e te converte."

Pr 3,11-12: "Meu filho, não rejeites a correção do Senhor, e não te ressintas com a sua repreensão, porque o Senhor repreende a quem ele ama, como um pai ao filho que estima."

1Cor 11,32: "julgados pelo Senhor, somos corrigidos para não sermos condenados com o mundo."

Hb 12,5-8: "Meu filho, não menosprezes a correção do Senhor nem desfaleças quando repreendido por ele. Pois o Senhor castiga a quem ama e açoita todo aquele que recebe como filho.Estais sendo provados para vossa correção. É Deus que vos trata como filhos. Pois qual é o filho que o pai não corrige? Mas, se permanecêsseis sem correção, que é comum a todos, seríeis bastardos e não filhos legítimos."

Eclo 30,1: "Quem ama o filho, usa com freqüência o chicote, para poder mais tarde alegrar-se com ele."

Pr 23,13-14: "Não poupes ao menino a correção, mesmo se lhe bateres com a vara não morrerá. Antes, batendo-lhe com a vara, salvarás do abismo sua alma."

Pr 29,15: "Vara e correção dão sabedoria, mas o menino abandonado a si mesmo causa vergonha à sua mãe."

Pv 13,24: "Quem poupa a vara odeia seu filho, mas quem o ama corrige-o desde cedo."

Amor é isso, apoio emocional é coisa totalmente diferente...

A questão do que é o Amor é hoje em dia causa de enorme confusão entre muitos. E o pior é que não se trata de uma bobagem ou de um assunto lateral ou irrelevante! Trata-se de algo que é na verdade mais do que vida ou morte: é Vida ou morte eterna. Não podemos concordar com a visão errônea de Amor como sinônimo de apoio emocional que muitos têm, considerando ser necessário relevar os erros, não perdoá-los. Perdoar é completamente diferente de relevar.

Não é essa a mensagem do Evangelho, e pregar isso é ir contra a Doutrina da Igreja.

Esta atitude, que em caricatura é passar a mão na cabeça do herege e dizer que ele está certo, é uma atitude que entra em conflito com o que a Igreja sempre pregou.

Jesus é descrito por alguns como alguém que veio para "acabar com a tirania da lei" (qualquer lei, não a lei ritual dos judeus), como alguém que prega a aceitação passiva do erro. Mas isto está errado.

O erro deve ser combatido, e isso é amor. O herege impenitente que prega a sua heresia e se recusa a aceitar a Verdade é odioso por sua heresia aos olhos de Deus e dos homens, mas mesmo assim Deus e os homens esperam a sua conversão por misericórdia.

Ele deve ser difamado (difamar não é caliniar: difamar é expor publicamente algo de mau que realmente ocorreu e fará dano à reputação da pessoa; difamar é levantar a pele de cordeiro e mostrar o lobo por baixo), deve ter seus erros mostrados, deve ser considerado nosso inimigo pessoal, sim. E isso é feito , pasmem, por amor. Não o amor romântico, mas o Amor real. É isso que os santos sempre disseram, é esse o amor de Jesus: um amor que também leva em consideração, que aliás coloca acima de tudo e como fim último, a Deus.

Amamos o irmão por causa de Deus, não por causa do irmão. O amor é dirigido a Deus através do irmão. Não pode ser de outra forma, posto que de Deus vem todo amor e a Ele deve ir todo amor.

O ódio aos hereges é portanto um ódio causado por amor.

Parece-me que não compreender que o ódio é causado pelo amor é um dos maiores problemas dos que defendem o amor romântico - pois é o amor romântico que está sendo defendido por estes, apesar de não ser este o nome usado. Romântico não quer dizer relativo a música de dor de cotovelo, mas sim a um movimento cultural, com sua respectiva visão de mundo.

O amor romântico é um amor que coloca o amado como o fim último deste amor, amando assim a pessoa "como ela é", e não como Deus quer que ela seja. Ao amarmos a pessoa "como ela é", estamos na verdade a querer que ela não se santifique, que ela não atinja um grau maior de santidade, que ela fique estagnada na condição em que está.

Mas então vamos a São Tomás no tocante ao ódio vir ou não do amor (primeiro ele apresenta as objeções, depois responde em geral e uma a uma; creio que a objeção mais comum hoje em dia é a número dois):

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SUMMA THEOLOGICA

PS Q[29] A[2] Thes.

O amor é a causa do ódio?

PS Q[29] A[2] Obj. 1

OBJ 1: Parece-me que o amor não é causa do ódio. Pois "os membros opostos de uma divisão são naturalmente simultâneos" (Praedic. x). Ora, o amor é o ódio são membros opostos de uma divisão, pois são contrários um ao outro. Logo, eles são naturalmente simultâneos, e assim o amor não é a causa do ódio.

PS Q[29] A[2] Obj. 2

OBJ 2: Além disso, de dois contrários um não é a causa do outro. Ora, amor e ódio são contrários; logo, o amor não é a causa do ódio.

PS Q[29] A[2] Obj. 3

OBJ 3: Além disso, o que vem depois não é a causa do que o precede. Ora, o ódio precede o amor, ao que tudo indica, já que o ódio implica em retirar-se do mal e o amor implica tornar-se para o bem. Logo, o amor não é a causa do ódio.

PS Q[29] A[2] OTC

PELO CONTRÁRIO, Sto. Agostinho diz (De Civ. Dei xiv, 7,9) que todas as emoções são causadas pelo amor. Portanto o ódio também, por ser uma emoção da alma, é causado pelo amor.

PS Q[29] A[2] Corpo

RESPONDO QUE, como afirmado acima (A[1] - resposta à pergunta anterior, não traduzi), o amor consiste em um certo acordo do que ama com o amado, enquanto o ódio consiste em um certo desacordo ou dissonância. Ora, devemos considerar em cada ser o que concorda antes de saber o que não concorda, já que uma coisa discorda de outra destruindo ou obscurecendo o que concorda com esta. Logo o amor necessariamente precede o ódio; e nada é odiado, a não ser sendo contrário a uma coisa desejável que é amada. E por isso todo ódio é causado pelo amor.

PS Q[29] A[2] R.O. 1

RESPOSTA à OBJ 1: Os membros opostos de uma divisão são por vezes naturalmente simultâneos, tanto real quanto logicamente; por exemplo, duas espécies de animal ou duas espécies de cor. Algumas vezes eles são simultâneos logicamente, enquanto na realidade um precede e causa o outro; por exemplo, as espécies de números, figuras e movimentos. Algumas vezes eles não são simultâneos nem real nem logicamente; por exemplo, substância e acidente; pois a substância é ne realidade a causa do acidente; e ser é predicado da substância antes de ser predicado do acidente, por prioridade de razão, por não ser predicado do acidente exceto enquanto este é da substância. Ora, o amor e o ódio são naturalmente simultâneos logica mas não realmente. Logo, nada impede o amor de ser a causa do ódio.

PS Q[29] A[2] R.O. 2

RESPOSTA à OBJ 2: Amor e ódio são contrários se considerados a respeito da mesma coisa. Ora, se tomados a respeito de contrários, eles não são contrários, mas consequentes um do outro: pois é a mesma coisa amarmos algo ou odiarmos o seu contrário. Logo, o amor a algo é a causa de ódio a seu contrário.

PS Q[29] A[2] R.O. 3

RESPOSTA à OBJ 3: Na ordem da execução, retirar-se de um termo precede virar-se para outro. Mas o oposto ocorre na ordem de intenção, já que virar-se para um termo é a razão de retirar-se do outro. Ora, o movimento do apetite pertence mais à ordem da intenção que da execução. Logo o amor precede o ódio, e cada um é um movimento do apetite.

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Outra questão também constante, e que tem a ver com a compreensão romântica do amor, é a seguinte (notem como a primeira objeção é exatamente a apresentada pelos românticos e modernistas):

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SS Q[11] A[3] Thes.

Hereges devem ser tolerados?

SS Q[11] A[3] Obj. 1

OBJ 1: Parece-me que os hereges devam ser tolerados, pois o Apóstolo diz (2Tim. II 24-26): "Ao servo do Senhor não convém brigar e sim mostrar-se manso com todos, pronto para ensinar, paciente. É com brandura que deve corrigir os adversários, a ver se Deus lhes concede o arrependimento para reconhecerem a verdade e voltarem ao bom senso, livres das armadilhas do diabo a cuja vontade estão sujeitos." Ora, se os hereges não forem tolerados e deverem ser levados à morte, eles perdem sua oportunidade de arrependimento. Logo isso parece contrário ao comando dos Apóstolos.

SS Q[11] A[3] Obj. 2

OBJ 2: Além disso, o que quer que seja necessário na Igreja deve ser tolerado. Ora, heresias são necessárias na Igreja, já que diz o apóstolo (1 Cor. 11:19): "Pois é preciso que entre vós haja dissensões, a fim de que se destaquem os de provada virtude entre vós." Logo parece que os hereges devam ser tolerados.

SS Q[11] A[3] Obj. 3

OBJ 3: Além disso, o Mestre ordenou a seus servos que deixassem o joio crescer "até à colheita" (Mt 13,30), ou seja, até o fim do mundo, como uma glosa explica. Ora, santos ensinaram que o joio são os hereges; logo, os hereges devem ser tolerados.

SS Q[11] A[3] OTC

PELO CONTRÁRIO, o Apóstolo diz (Tito 3,10-11): "Quanto ao herege, depois de uma ou duas advertências, evita-o, considerando que está transviado."

SS Q[11] A[3] Corpo

RESPONDO QUE em relação a hereges dois pontos devem ser observados: um, do lado deles; o outro, o lado da Igreja. No lado deles há o pecado, pelo qual eles merecem não apenas ser separados da Igreja pela excomunhão, mas também extirpados do mundo pela morte. Pois é matéria muito mais grave corromper a fé, o que arrisca a alma, que forjar dinheiro, que ajuda a vida temporal. Assim se falsificadores de dinheiro são por isso condenados à morte pela autoridade secular, muito mais razão há para que hereges, assim que condenados por heresia, não apenas sejam excomungados mas até mesmo levados à morte.

SS Q[11] A[3] Corpo

Por parte da Igreja, entretanto, há a misericórdia que busca a conversão do errante, o que faz com que ela não condene imediatamente, mas "depois de uma ou duas advertências", conforme a ordem do Apóstolo: depois disso, se ele persistir no erro, a Igreja, não mais esperando sua conversão, preocupa-se com a salvação dos outros, excomungando-o e separando-o da Igreja, e mais ainda o entrega ao tribunal secular para ser assim exterminado do mundo pela morte. Afinal, São Jerônimo, ao comentar Gal. 5,9: "Um pouco de fermento", diz: "Cortem a carne apodrecida, expurguem do rebanho as ovelhas sarnentas, para que toda a casa, toda a massa, todo o corpo, todo o rebanho não queime, se infecte, se estrague, apodreça, morra. Ário era apenas uma fagulha na Alexandria, mas como esta fagulha não foi apagada, toda a terra foi devastada por sua chama".

SS Q[11] A[3] R.O. 1

RESPOSTA à OBJ 1: A própria modéstia demanda que o herege seja advertido pela primeira e pela segunda vez: se ele se recusar a se emendar, deve ser reconhecido como já "transviado", como podemos ver nas palavras do Apóstolo citadas acima.

SS Q[11] A[3] R.O. 2

RESPOSTA à OBJ 2: O lucro que vem da heresia é estranho à intenção do herege, pois ele consiste na prova da constância dos fiéis, "fazendo-nos sacudir a preguiça e buscar mais cuidadosamente nas Escrituras", como declara Sto. Agostinho (De Gen. cont. Manich. i, 1). Ora, o que eles realmente desejam é a corrupção da Fé, o que seria infligir um mal realmente grande. Logo, devemos considerar o que eles têm como intenção direta e expulsá-los, não o que é alheio a sua intenção e assim tolerá-los.
SS Q[11] A[3] R.O. 3

RESPOSTA à OBJ 3: Está escrito que (Decret. xxiv, qu. iii, can. Notandum) "ser excomungado não é ser desenraizado". Um homem é excomungado, como diz o Apóstolo, (1 Cor. 5,5) "a fim de que o espírito seja salvo no dia do Senhor". Mesmo se os hereges sejam desenraizados pela morte, isto não é contrário ao comando de Nosso Senhor, que deve ser compreendido como que se referindo ao caso em que o joio não pode ser arrancado sem arrancar o trigo, como explicado acima (Q[10], A[8], ad 1 - outra questão, não traduzida aqui), ao tratar de incréus de modo geral.

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Só para encerrar, alguns excertos da brilhante explanação de São Tomás da difícil questão do ódio e amor ao pecador (SS Q[25] A[6]) e de como o herege pertinaz deve ser tratado (TP Q[42] A[2]):

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(SS Q[25] A[6]):

"Duas coisas devem ser consideradas no pecador: sua natureza e sua culpa. De acordo com sua natureza, que ele tem de Deus, ele tem uma capacidade para felicidade (eterna) na irmandade em que se baseia a caridade; assim, temos que amar os pecadores, por caridade, em respeito a sua natureza."

"Por outro lado a sua culpa é oposta a Deus, e é um obstáculo para a felicidade. Logo, em respeito a sua culpa, pela qual eles se opõem a Deus, todos os pecadores devem ser odiados, até mesmo o pai ou a mãe, de acordo com Lc 12,26. Pois é nosso dever odiar, no pecador, seu ser pecador e amar nele seu ser um homem capaz da Salvação; e isso é amá-lo verdadeiramente, por caridade, pelo amor de Deus."

"O profeta odiou o injusto como tal, e o objeto de seu ódio era sua injustiça, que era o seu mal. Este ódio é perfeito, como ele mesmo diz (Sl 138,22): 'Odeio-os com ódio perfeito.' Ora, odiar o mal de uma pessoa é equivalente a amar o seu bem. Logo, o ódio perfeito pertence à caridade."

"Como observa o Filósofo (Ethic. ix, 3), quando nossos amigos caem em pecado, não devemos negar a eles as amenidades da amizade enquanto houver esperança de que voltem ao reto caminho, e devemos ser mais pressurosos em ajudá-los a voltar à virtude que a recuperar dinheiro se eles o houvessem perdido, pois a virtude é mais próxima da amizade que o dinheiro.

Quando, entretanto, eles caem em grande impiedade e se tornam incuráveis, não mais devemos mostrar a eles amizade. É por esta razão que tanto a Lei divina quanto a lei humana mandam que tais pecadores sejam postos à morte, pois há mais chance de que façam mal a outros que que se regenerem."

"Amamos os pecadores por caridade, não desejando o que eles desejam, ou alegrando-se no que lhes dá alegria, mas fazendo-os querer o que queremos e alegrar-se com o que nos alegra. Assim está escrito (Jer 15,19): 'Eles devem voltar a ti e não tu a eles!"

(TP Q[42] A[2]):

"A salvação da multidão deve ser preferida à paz de quaisquer indivíduos. Consequentemente, quando alguns, por sua perversidade, põem em perigo a salvação da multidão, o pregador e o professor não devem ter medo de ofender a estes homens para assegurar a salvação de muitos."



©Prof. Carlos Ramalhete - livre cópia na íntegra com menção do autor

"Ministros Extraordinários da Eucaristia": Abuso Proibido!


Infelizmente certos setores do clero católico vêm regularmente desobedecendo às ordens do Papa em muitos aspectos da liturgia. O objetivo deles é claro: eles desejam diminuir o valor do sacerdócio e a sacralidade da ação litúrgica da Igreja.
 
 Um dos instrumentos que mais têm sido usados para este torpe objetivo é o abuso regular e habitual dos chamados ministérios extraordinários. Os ministérios extraordinários são autorizações especiais que podem em raras ocasiões, por motivo de extrema necessidade, ser dadas a leigos para que ele cumpram algumas funções reservadas aos sacerdotes. Ao usar de forma habitual (logo irregular) estes chamados ministros extraordinários, a distinção querida por Deus entre sacerdote e fiel é diminuída, à semelhança do que queria Coré (Nm 16) e do que nos avisava São Judas (Jd 11) para que não fosse feito.
 
 Dentre os ministérios extraordinários que podem em ocasiões especiais ser deputados a leigos, figura em lugar de destaque no rol dos abusos o ministério da Sagrada Comunhão (distribuição do Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo).  Vejamos pois o que diz a Lei da Igreja acerca deste ministério extraordinário:
 
 Na instrução "Inaestimabile donum", da Sagrada Congregação para os Sacramentos e o Culto Divino, emitida em 3.IV.1980, lemos que "Os fiéis, sejam religiosos ou leigos, que são autorizados como ministros extraordinários da Eucaristia só podem distribuir a Comunhão quando não há padre, diácono ou acólito, quando o padre está impedido por doença ou por idade avançada, ou quando o número de fiéis a receber a Comunhão é tão grande que torne a celebração da Missa excessivamente longa." (#10)
 
 Na recente "Instrução acerca de algumas questões sobre a colaboração dos fiéis leigos no sagrado ministério dos sacerdotes ", de 13.VIII.1997, o Santo Padre João Paulo II ordena:
 
"Artigo 8: §1. A disciplina canônica sobre o ministro extraordinário da sagrada comunhão deve, porém, ser corretamente aplicada para não gerar confusão. Ela estabelece que ministros ordinários da sagrada comunhão são o Bispo, o presbítero e o diácono, enquanto é ministro extraordinário o acólito instituído ou o fiel para tanto deputado conforme a norma do cân. 230, §3.
 
(...)
 
 §2. Para que o ministro extraordinário, durante a celebração eucarística, possa distribuir a sagrada comunhão, é necessário ou que não estejam presentes ministros ordinários ou que estes, embora presentes, estejam realmente impedidos. Pode igualmente desempenhar o mesmo encargo quando, por causa da participação particularmente numerosa dos fiéis que desejam receber a Santa Comunhão, a celebração eucarística prolongar-se-ia excessivamente por causa da insuficiência de ministros ordinários.
 
 Este encargo é supletivo e extraordinário e deve ser exercido segundo a norma do direito. (...)
 
 Para não gerar confusão, devem-se evitar e remover algumas práticas que há algum tempo foram introduzidas em algumas Igrejas particulares, como por exemplo:
 
(...)
 
 - o uso habitual de ministros extraordinários nas Santas Missas, estendendo arbitrariamente o conceito de « numerosa participação ».
 
(...)
 
 São revogadas as leis particulares e os costumes vigentes, que sejam contrários a estas normas, como igualmente quaisquer eventuais faculdades concedidas ad experimentum pela Santa Sé ou por qualquer outra autoridade a ela subalterna.
 
 O Sumo Pontífice, no dia 13 de Agosto de 1997, aprovou em forma específica a presente Instrução, ordenando a sua promulgação."
 
Seguem-se assinaturas dos prefeitos e presidentes da Congregação para o Clero, do Conselho Pontifício para os Leigos, da Congregação para a Doutrina da Fé, da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, da Congregação para os Bispos, da Congregação para a Evangelização dos Povos, da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica e do Conselho Pontifício para a Interpretação dos Textos Legislativos
 
 Trata-se portanto de documento aprovado em forma específica pelo Santo Padre, ou seja, com força de lei, assinado também pelos prefeitos, presidentes e secretários de todas as congregações vaticanas que possam ter algo a ver com o assunto. É Lei da Igreja!
 
 Ora, o que podemos perceber nela?
 
1 -  O uso de ministros extraordinários da Sagrada Comunhão (também chamados "ministros extraordinários da Eucaristia") só pode ocorrer quando não há padre, ou quando o padre estiver realmente impedido.
 
2 -  O uso habitual destes "ministros" é proibido, e não pode ser justificado pela quantidade de pessoas que normalmente vão à Missa. O Santo Padre ensina que fazê-lo é estender "arbitrariamente o conceito de numerosa participação".
 
3 - Foram revogadas quaisquer autorizações que tenham já sido dadas para que os Senhores Bispos usem Ministros leigos extraordinários de forma habitual na distribuição da Sagrada Comunhão.
 
 O que podemos fazer a respeito disso?
 
1 -  Lembrar aos sacerdotes e bispos que estão desobedecendo à Lei da Igreja, o que é pecaminoso, ao usar de forma habitual ministros leigos na distribuição da Sagrada Comunhão.
 
2 -  Mostrar a todos o que a Lei da Igreja manda fazer.
 
3 - Não receber a comunhão ilicitamente das mãos de um leigo; o ideal é evitar as paróquias onde esta prática ocorre, se isto for possível.
 


©Prof. Carlos Ramalhete - livre cópia na íntegra com menção do autor

Hierarquia, Islã e Modernidade


Há na natureza criada uma hierarquia que reflete a ordem da Criação, ordem essa que - nos ensinavam já São Paulo e Aristóteles - reflete a beleza do Criador. Quando olhamos uma paisagem vemos algo profundamente ordenado, algo profundamente hierárquico. A ciência hodierna começa a perceber parcialmente isto com as descobertas dos matemáticos que identificaram, por exemplo, as fórmulas que orientam tanto a distribuição dos galhos de uma árvore quanto a dos afluentes de um rio ou das ramificações dos raios. A natureza é, portanto, ordenada.

Ao vermos uma paisagem, vemos as montanhas imponentes que - contudo - são pequenas perto do céu; vemos as florestas, por sua vez compostas de árvores, que por sua vez têm - hierarquicamente - troncos, ramos, folhas, flores. Ao vermos, assim, esta paisagem aparentemente caótica, relaxamos por percebermos, ainda que inconscientemente, a ordem subjacente a ela. O mesmo ocorre em uma sociedade cristã tradicional, mas isto não ocorre nem no Islã nem na sociedade moderna. Ambos são igualitaristas, ambos vêem a ordem como sendo possível apenas - paradoxalmente - entre iguais. Que ordem poderia haver entre iguais? Como poderia ser possível ordenar uma coleção de quinhentos selos iguais? Arranjando-os em fileiras, talvez? Teríamos aí uma certa ordem, mas uma ordem fraca e reduzida a um alinhamento puramente arbitrário, já que cada selo poderia ser colocado em qualquer posição sem modificar esta ordem. Por outro lado, em uma coleção de quinhentos selos diferentes as ordenações possíveis são muitíssimas (os matemáticos que digam quantas): pelo valor, pela beleza, pelas cores, pelo tamanho, pela forma, pelo tema, pelo país...

Vejamos agora de onde vem esta horrenda falta de hierarquia que assola estas duas correntes igualitaristas que hoje disputam o domínio do mundo, o Islã e o pensamento moderno:

O pensamento moderno, que é familiar a todos nós por ser o modo de pensar "oficial" em nossa sociedade, nega a hierarquia natural por uma razão muito simples: ele nega o pensamento ontológico, base de toda hierarquia. Explico: o pensamento moderno nega que seja possível conhecer as coisas tais como elas efetivamente são, atendo-se às suas releções com outras coisas. O saber, no pensamento moderno, não é um saber sobre as coisas, mas no máximo um saber sobre os efeitos das coisas em nós mesmos e sobre as relações entre as coisas. É por isso que na forma mais extremada do pensamento moderno, o marxismo, ignora-se por completo a noção de substância individual.

Para o marxista um homem não é um homem, é ou bem um opressor ou bem um oprimido. Ora, "opressor" e "oprimido" (em prol do argumento, deixemos de lado a relevância e a veracidade - ou falta de... - destas conceituações marxistas) não são notas ontológicas. Ninguém é, em si, um opressor ou um oprimido. Uma pessoa pode participar de uma relação de opressão como opressor ou como oprimido, ou seja, pode acidentalmente estar em tal relação. Ela não pode jamais, porém, ser em si um ou outro. Quem é "o opressor"? Ninguém, como ninguém é "o oprimido". Não se trata de uma natureza de que muitos participem, como a natureza humana, nem de uma substância, de uma natureza individuada. É apenas um acidente de relação... que para o marxista esgota a ontologia daquele ser. Ninguém é mais que um "opressor" ou um "oprimido" (o que faz com que não haja pecado pessoal nos "oprimidos" ou virtude pessoal no "opressor", por exemplo).

Recusando-se a ver o ser, recusando-se a responder à pergunta "o que é isto" senão por um desvio rumo a seus acidentes de relação, o marxista epitoma o pensamento moderno. As outras formas do pensamento moderno, como o liberalismo, o fascismo, o socialismo, etc., também sofrem - ainda que de maneira menos marcante - deste mesmo vício de origem. Para o moderno, qualquer que seja ele, não há substância, não há um ente que não seja apenas seus acidentes de relação. Isto nega, na verdade, a unidade essencial do ser humano. O liberal, por exemplo, vê o homem-que-trabalha como outro que não o homem-que-é-pai-de-família; para ele o reconhecimento da situação de páter-famílias é necessariamente algo irrelevante e de foro íntimo (o que explica, por exemplo, a opção ideológica - não pragmática - dos liberais contra certos aspectos da legislação trabalhista; não há problema em ser contrário a eles por razões pragmáticas, mas fazer desta separação artificial, desta divisão do homem em trabalhador em certas horas e pai em outras, um princípio filosófico-político é algo profundamente errado). O mesmo ocorre em relação à religião, por exemplo: para o moderno, quer seja ele liberal, socialista, comunista ou fascista, o homem-religioso deve forçosamente separar-se do homem-trabalhador, do homem-cidadão, etc. É isso o que faz com que tantos políticos se declarem religiosos e votem de modo contrário ao que manda a Igreja "por terem o dever de obedecer ao eleitorado", ou seja, por separarem, por não verem a unidade substancial, entre o homem-religioso e o homem-deputado.

Esta recusa de percepção da unidade substancial de cada homem (que em geral também se reflete em uma recusa teológica de aceitar plenamente a União Hipostática; nada mais penoso para um moderno que a Encarnação do Verbo...) leva na verdade a uma recusa de perceber o homem enquanto tal. O homem para o moderno não tem valor intrínseco, nem tem valor intrínseco - por isto não ser para eles nota ontológica - a superioridade hierárquica. O Bispo, para o moderno, só é Bispo enquanto está "bispando", assim como o padre só é padre quando está "padreando".  É por isso que sai tão facilmente da boca de um moderno o oximoro "ex-padre". Se não está mais "padreando",  ele não é mais padre. A noção de que o Sacramento da Ordem possa ter efetivado uma mudança substancial (ou seja, em "o que é" aquela pessoa) é para o moderno completamente obscura e inacessível, pela simplíssima razão de ele não aceitar que haja uma substância a ser mudada.

Assim, para o moderno, todos são "iguais": iguais em sua indiferenciação, iguais em sua pseudo-ontologia que varia de acordo com o que a pessoa esteja fazendo naquele momento. Quando olhados em bando, todos são iguais por estarem todos naquele momento "multidãozando",  sendo - pseudo-ontologicamente - partes da multidão. "Elevar" subatancialmente a alguns (o que o católico chamaria de "reconhecer a superioridade de alguns") para o moderno é algo não apenas artificial, mas perigoso. Isso nega que seja apenas a função que lhes dá a "superioridade", ao exaltar uma superioridade substancial. É por isso que os modernos têm tanto zelo em encher de leigos o prebitério; eles realmente pensam que estão justamente exaltando os leigos ao fazê-los "participar" da função sacerdotal (o mesmo raciocínio explica a ênfase moderna em respostas dos fiéis na liturgia, etc.). Na verdade - e isso eles são incapazes de entender - eles não estão "exaltando" os leigos, mas desordenando-os ao colocá-los em um lugar que - substancialmente - não lhes compete.

Do mesmo modo - e aí entra a oportuna observação do Julio Lemos de que o marxista "sente nojo dos pobres, acha-os preguiçosos, odeia-os. Na aparência, mantém um ar de amante incondicional. Em casa, chora de ódio: suas expectativas estão sendo violentadas dia a dia." Isso acontece porque ele quer vê-los como "oprimidos",  seres fundamentalmente angélicos e incapazes de pecar ou serem desagradáveis. Quando ele é forçado a encarar a realidade - e a realidade é composta por gente individuada, diversa entre si, "este preguiçoso, aquele esforçado, aquel'outro genial" - é difícil manter a farsa. O melhor, para o moderno, é vê-los todos de longe: "o povo", este ente de razão composto por acidentes de relação.

Basta ver as obras de Niemeyer para perceber isto. Todas elas sofrem do mesmo problema de base, a ausência terrível de hierarquia. Não há neles escalas intermediárias entre o gigantesco e o humano (a propósito, recomendo o excelente artigo que me colocou nos trilhos desta reflexão). Do gigantesco passa-se diretamente ao "normal", ao pé-direito já baixo que é rebaixado com gesso; edifícios monstruosamente grandes tornam as pessoas formigas que passeiam por eles, sem que haja neles as escalas intermediárias que fazem uma obra arquitetônica ser hierarquicamente ordenada.

Vejam a diferença entre uma catedral antiga e - por exemplo - o horrendo disco-voador pespegado por Niemeyer no costão de Niterói. Ao chegarmos em uma catedral tradicional vemos um prédio enorme, que pode ser visto e reconhecido desde distâncias gigantescas. Creio não exagerar ao dizer que do horizonte se pode reconhecer uma catedral como a de Notre Dame de Paris. Ao chegarmos perto dela, porém, vemos que ela não é um grande cubo liso; ao contrário, ela tem detalhes em tamanho menor, e estes detalhes têm - hierarquicamente - detalhes ainda menores, e estes outros, até chegar ao nível da estatura do homem, quando então passa a haver outros detalhes, menores ainda. É como uma árvore frondosa e antiga, que tem dezenas de metros de altura, mas com um tronco que conduz aos ramos, que conduzem às folhas, que conduzem às nervuras, tudo organizado hierarquicamente.

Por outro lado, uma monstruosidade niemeyeresca terá apenas uma dimensão: a gigantesca, a que oprime e isola o homem da construção. Ela não é feita para o homem, não é pensada em torno dele e sua relação com o mundo; ela é simplesmente uma forma, que pode até ser bela em maquete mas que faz do homem um detalhe, uma formiga a macular o ambiente assético das grandes - enormes! - formas de concreto liso.

O mesmo ocorre com os edifícios modernos feitos por arquitetos menos delirantes que Niemeyer. Vejamos os prédios "da moda",  os megálitos negros que dominam as nossas cidades (como o edifício do Méridien na Praia de Copacabana, as "finadas" Torres Gêmeas - destruídas em um assassinato em massa encomendado por um empreiteiro - Bin Laden - a um urbanista - Mohammed Atta - , aliás). Senhores, percebam! Vejam, vejam com estes olhos que a terra há de comer: eles são cópias da Qaaba, cópias da pedra preta adorada pelos muçulmanos. São, como a Qaaba, um cubo negro que faz dos homens formigas a rodar em círculos sem sentido algum.

Daqui, tendo chegado por vias transversas ao ponto comum entre o pensamento moderno e o Islã - ambos constroem cubos de pedras pretas que fazem dos homens formigas, ambos se negam a perceber a hierarquia natural - passemos ao erro básico do pensamento islâmico.

O Islã é tão igualitarista quanto o pensamento moderno, mas pela razão oposta. Enquanto o moderno só vê o acidente (que é a atualização da substância, que por sua vez é a atualização - individuação, portanto - de uma natureza pelo ato de ser), o muçulmano não percebe a individuação. Para o muçulmano, não só Deus está fora do tempo como jamais entrou nele. O muçulmano também não aceita a Encarnação do Verbo, mas pela razão oposta. Enquanto o moderno não aceita o Verbo, ou seja, a perenidade, o muçulmano não aceita a Encarnação, ou seja, a singularidade de um homem.

Para o muçulmano, não há um "crescendo" na História da Salvação. Deus não Se manifestou em etapas, não houve uma Revelação progressiva de Deus que culmina em Deus-feito-homem (substancial, logo individualmente). Deus é Deus, e está lá longe, e os homens são como que formigas a caminhar por conta própria, sem a Graça, sem que Deus tenha assumido nossa natureza, sem, em suma, que seja possível diferenciar um homem do outro. O que passa por Revelação para os muçulmanos é um livro supostamente ditado por Deus, cujo conteúdo teria sido conhecido por Moisés e Abraão e "corrompido" de forma a tornar-se judaísmo e cristianismo. Um livro que vem como que do nada, largado às mãos dos homens como uma migalha é largada às formigas. Não há Igreja, não há hierarquia, não há clero, não há participação na santidade: há apenas "submissão" ("Islam", palavra que vem do mesmo radical que "paz" - salaam -; o muçulmano é "quem é submisso").

Poderia ser dito, em defesa equivocada do Islã, que eles reconhecem sim uma hierarquia; afinal, o que seriam os Califas senão hierarcas? A isso respondo que esta é a mesmíssima "hierarquia" que está presente nas construções modernas: é o gigantesco que humilha o minúsculo, o mostruosamente grande que esmaga o infinitesimal. Não há, abaixo do Califa e acima do menor plebeu, uma hierarquia ordenada. Há apenas o máximo, o Califa-quase-deus (como eram "deuses" os reis pagãos do Oriente Médio, como eram "super-papas" os césares dos Orientais), e abaixo dele tudo é indistinto. Isto ocorre porque o muçulmano não consegue ver a individuação, não consegue reconhecer cada homem como um homem. Cada homem é apenas, para o muçulmano, um "submisso" ou um "insubmisso",  uma parcela acidental de um ser maior (o Islã ou o não-Islã).

Quando nos batemos contra um inimigo, é possível que nos machuquemos. É perfeitamente possível, na verdade praticamente necessário, que percamos ao menos algumas células de nossa pele (mesmo ao apertar um gatilho ou manusear um porrete, algumas células se soltam). Para o muçulmano, o "mártir", o assassino que se mata, é como que esta célula perdida. Sua vida, daquele indivíduo, daquele ser humano individuado, não vale nada por não ser reconhecida a sua individuação subatancial. Assim como uma célula de nossa pele não é mais que acidente em nós - não uma substância individuada, não um "algo" subsistente - o "mártir" é um acidente no Islã. Vale a pena, ao lutarmos, sofrer uma pequeníssima perda de uma ou duas células em troca de uma perda maior, muito maior, para o adversário? Evidentemente que sim. É este o raciocínio por trás de uma ação como os horrendos ataques terroristas suicidas: vale perder uma célula para arrancar várias células do adversário. E o adversário somos nós.

Somos nós, porque o muçulmano, ao não aceitar a individuação, não aceita o tempo, em que ocorre esta individuação. Para o muçulmano, o Islã não é apenas uma religião tardia; o Islã é a religião derradeira, o arremate final, não simplesmente uma mistura indigesta de nestorianismo com judaísmo e paganismo árabe. Sua pretensa superioridade não vem do fato de vir depois no tempo (como nós sabemos que a superioridade do cristianismo sobre o judaísmo vem do fato daquele conter a íntegra da Revelação, que em sua primeira etapa - anterior temporalmente, portanto - deu origem a este), mas sim de este ser a seus olhos o "plenum", a totalidade da "revelação" incorrupta.

O fato de esta "revelação" haver ocorrido no tempo é perfeitamente lateral. Desde a Hégira - e mesmo antes dela, segundo a visão de mundo muçulmana, que vê Nosso Senhor como... um muçulmano - o mundo, para o muçulmano, é o mesmo. Há o Islã e o anti-Islã, e aquele combate este até que toda a terra seja submetida.

Para o muçulmano, assim, não há diferença alguma entre as Cruzadas e a MTV: ambos são ataques do mesmo anti-Islã ocidental contra o Islã. Ao atacar o monstro moderno, a super-Qaaba dupla da nova Babilônia, os muçulmanos estavam atacando o que eles viam como simplesmente outra instância do Santo Sepulcro, ou da igreja mantida pelos Cruzados onde hoje é - novamente - a Mesquita de Omar.

Esta recusa de perceber a individuação, de perceber o tempo e o que o tempo encerra (nossas vidas individuais!), é o que torna o Islã igualitarista. O moderno é Heráclito, e o muçulmano é Parmênides. Um não vê que o rio permanece um rio, e o outro não quer ver que o rio flui. Na verdade ambos estão terrivelmente enganados, e no fim das contas ambos acabam encontrando as mesmas "soluções". Ambos têm seus cubos negros, ambos negam a dignidade do homem. Ambos atacam prédios, contando os homens e mulheres mortos como "danos colaterais"; ambos negam a intricada hierarquia natural que uma sociedade cristã busca reconhecer e manter.

Vejam só o triste exemplo do Rio: será que a "solução " encontrada pelos fascistas (logo modernos...) - o envio maciço de forças policiais e militares (ou seja, a intervenção direta de uma ordem hierárquica muitíssimo acima do problema, não reconhecendo os níveis de autoridade intermediários locais) - não seria exatamente a primeiríssima opção de um governante fundamentalista muçulmano?

Ambos negam tudo o que há entre cubo preto monstruoso e ser humano infinitesimal a maculá-lo enquanto se arrasta insensatamente em círculos em torno dele. Ambos negam a rosácea das catedrais, os degraus do altar, o próprio altar que une o homem, cada homem, ao Deus único. Uns o negam em nome do homem, que muda. Os outros o negam em nome de um deus que não admite mudança. Ambos, na verdade, negam a ordem e a hierarquia que fazem com que Deus tenha dito que Sua Criação é boa.


©Prof. Carlos Ramalhete - livre cópia na íntegra com menção do autor

A "presidência da CNBB" e as eleições


Vejam só, senhoras e senhores, que barbaridade. É a abominação da desolação, mesmo! Este texto (em negrito, com comentários meus em texto normal) foi enviado a toda parte como se fosse algo de toda a Igreja no Brasil:



A CNBB diante da eleição dos novos governantes do Brasil

Todos somos convocados para construirmos um novo Brasil. Só com o compromisso de todos, podemos realizar uma grande reconciliação em torno dos ideais de uma democracia plena, para além dos partidos e das diferenças ideológicas.

Vamos lá, de novo, só para se alguém não tiver "pescado":

"uma grande reconciliação em torno dos ideais de uma democracia plena"

Desde quando "os ideais de uma democracia plena" são algo a ser buscado por uma Conferência Episcopal?! Ou, pior, ainda, como cargas d'água uma Conferência Episcopal poderia cogitar em propor que qualquer "proposta de reconciliação" seja feita em torno destes ideais?! Ainda que nada haja de pecaminoso em buscá-los como individuos, ou seja, sem falar como Bispos (em outras palavras: o Sr. Fulano de Tal, Bispo de Fulustreca do Mato, pode, na solidão de seu quarto, ser um democrata radical; ele jamais poderia, porém, sem aviltar seu episcopado, propor suas crenças políticas como modelo), não é de modo algum aceitável nem que membros do clero venham expôr suas preferências políticas nem, muito menos, que abandonem o ensino da Igreja e a constante pregação do Santo Padre para colocar "os ideais de uma democracia plena" no lugar de Nosso Senhor, em torno de Quem deve ser feita a reconciliação se quisermos que ela ocorra. O Santo Padre já reiterou várias vezes, no contexto da formação da União Européia, o quanto é insuficiente tentar fazer esta reconciliação, esta união, em torno do que não seja Cristo. Santo Agostinho já escreveu - e isso me veio freqüentemente ao pensamento nestes últimos dias, depois que dois dos maiores inimigos da Igreja (o comunismo e o protestantismo) tomaram unidos o poder - que sem Deus um Estado nada mais é que um grande latrocínio (Civ. Dei 4,4). "Reconciliar-se" em torno de um grande latrocínio não poderia jamais ser o conselho de um Bispo!

O Partido dos Trabalhadores a que pertence o Presidente da República eleito, recolhe, desde suas origens, a presença e atuação de grupos cristãos das nossas Igrejas Locais, como ocorre também em outras agremiações político-partidárias. Os valores do Reino de Deus de que são eles portadores oferecem, certamente, subsídios para a construção de uma sociedade justa e
solidária.

Ah, sim. Então seriam valores da Igreja (que é o Reino de Deus) o aborto, o "casamento gay", a igualdade como um bem, o fim da propriedade privada, etc.?! Se houve - e infelizmente tal é o caso - infiltração de inimigos da igerja no seio do clero, se houve - e ainda há, ainda que já perto do fim por ausência de novos seguidores e senectude dos existentes - um movimento organizado contrário ao que sempre pregou a Igreja ocupando espaços físicos e hierárquicos na sofrida Igreja no Brasil, isso não significa nem que o que eles pregam seja valor da Igreja nem que a Igreja possa deixar de condenar seus falsos valores. Trata-se de um erro básico de eclesiologia. O Espírito Santo é a alma da Igreja, de que somos corpo. Um corpo sem alma é uma carne morta, e estes comunistas negam-se a acolher o Espírito. São como dedos cortados, como membros gangrenados e sem vida. Não importa quantas pessoas se juntem e gritem "ser Igreja"; sem o Espírito são algo morto espiritualmente, não formam um só corpo, não formam o que é o Corpo Místico de Cristo animado pelo Espírito Santo: a Igreja.

É até interessante - e triste - constatarmos como a má formação do clero regular e secular ajudou na vitória dos inimigos da Igreja. Vocês repararam que no Estado do Rio (onde houve uma vitória acachapante dos infanticidas) o PT só perdeu nas cidades onde há uma presença mais forte dos Padres de Campos?

A Igreja Católica, aberta ao diálogo e à colaboração em tudo que se refere ao bem comum do povo brasileiro, exorta a todos os fiéis a permanecerem em oração para que Deus ilumine os passos e as decisões dos novos dirigentes do País e dos Estados da Federação.

E, finalmente, uma frase sensata. Rezemos pela conversão dos inimigos da Igreja.

Pela Presidência da CNBB,
Dom Raymundo Damasceno Assis - Secretário-Geral

Notem o jeito novo de driblar a lei da Igreja: como D. Damasceno não pode falar em nome da CNBB, ele agora fala "pela Presidência da CNBB",  procurando dar a seus argumentos escandalosos um peso que eles - graças a Deus - não têm.


©Prof. Carlos Ramalhete - livre cópia na íntegra com menção do autor

A autoridade e a polícia


A trágica situação de desordem institucional, refletida na incontestável corrupção dos aparatos policiais e judiciários nacionais, é em meu entender devida a um problema que assola a sociedade como um todo: a crise da autoridade.

O reconhecimento da autoridade desapareceu, para todos os efeitos. As leis não são seguidas, as autoridades não são obedecidas, e a própria existência natural de uma hierarquia é negada por muitos. Vejo isso diariamente em meus alunos de colégio: adolescentes que não têm a mais vaga noção de que haja uma coisa chamada autoridade, de que haja hierarquia, respeito necessário, etc. Sou obedecido, mas não por ser professor; obedecem-me por ser carismático e saber apelar para seus sentimentos. A "desmitificação" de todos os heróis pátrios é a regra; a exaltação da mediocridade é a norma.

Com isso, a autoridade governamental passa a ser uma piada de mau gosto. Ela é negada, na prática, tanto pelos que desobedecem às leis quanto pelos próprios legisladores, juízes e executivos, que legislam sabendo que suas leis não terão maior efeito. Agora mesmo o governador do Estado do Rio de Janeiro promulgou uma lei, evidentemente inválida, estabelecendo um salário mínimo estadual. O Supremo Tribunal - entre uma e outra decisão sobre o cachorro que mordeu o homem e o homem que mordeu o cachorro - decidiu pela inconstitucionalidade da lei em questão. O governador limitou-se a dizer que vai promulgar a mesma lei novamente, mudando um pouco a redação.

Isto ocorre porque ele está consciente de não ter autoridade, ou ao menos de sua autoridade não ser respeitada por ninguém pelo simples fato de ser autoridade. Sua legitimidade não é reconhecida. A única maneira de fazer vigorar uma lei é pela força; sem que a lei seja imposta pela força, ela é simplesmente ignorada.

Entra aí a questão da polícia corrupta. Em uma sociedade menos desordenada, a função da polícia seria impedir a ação da aberração, daquele louco que não respeita a regra por todos aceita. A polícia, em teoria, deveria lidar apenas com criminosos que todos reconhecem como tal.

Em nossa sociedade enlouquecida, com suas leis incogruentes e mutuamente excludentes pululando em fúria de vermes tanatófagos a cada arroto legislativo dos governantes, a polícia ganha porém um poder inaudito: somos todos criminosos, somos todos sujeitos à prisão.

São tantas as leis, que é impossível fazer sentido o adágio judiciário de que a ignorância da lei não desculpa não cumpri-la. Ninguém, nem mesmo um juiz, conhece todas as leis. Ninguém, nem mesmo os policiais encarregados de fazer cumpri-las, sabe o que as leis proíbem e permitem.

Assim, qualquer um, literalmente qualquer um, é presa fácil para um mau policial.

Lembro-me de uma vez em que descia para o Rio de Janeiro, com o carro carregado de flores para a festa de Natal. Era Véspera de Natal.

Fui então parado por um guarda rodoviário. Mostrei-lhe meus documentos e os documentos do carro - estava tudo em ordem. Mostrei-lhe também, sem que isso me fosse solicitado, o porte de arma (que, mal que bem, prova que não tenho antecedentes criminais) e a arma, desmuniciada e dentro de uma caixa fechada, que carregava para não deixá-la no sítio. Exibi-lhe o funcionamento perfeito das luzes do carro, o estado adequado dos pneus, a existência e perfeita conservação de macaco, triângulo, extintor, etc.

De nada adiantou. Ele, em busca evidentemente de dinheiro, declarou que as rodas do carro eram do modelo errado, e o carro só poderia sair dali se eu trocasse as cinco... ou se desse um dinheirinho para ele. Fui assim roubado em trinta cruzeiros, literalmente vítima de assalto.

Hoje não daria este dinheiro; ando sempre com um monte de terços no porta-luvas, e costumo dar um a guardas que pedem dinheiro, dizendo que em sua profissão, enfrentando diariamente bandidos perigosos, ele precisa de muita oração e proteção divina.

A situação, porém, é sintomática: o guarda está com a faca e o queijo na mão. A tal legislação sobre rodas, que até hoje desconheço se é verdadeira ou não, deu a ele o poder de apreender meu carro na véspera de Natal, mesmo estando com todos os certificados e penduricalhos requeridos para a vistoria.

O mesmo ocorre com os pequenos e médios empresários; a fiscalização sempre tem condições de exigir algum absurdo ("o extintor de incêndio deve estar a um metro e dois centímetros do chão, não a um metro exatamente!"), alguma aberração legal que ou é cumprida ou o estabelecimento é multado, ou até fechado.

Isto ocorre porque a autoridade não é reconhecida. Não sendo reconhecida, não há absolutamente nada - nem mesmo o bom-senso mais elementar - que possa impedir que um legislador insano penalize com prisão inafiançável o arrancar da casca de uma árvore para fazer um chá (caso real), ou outro contra-senso absurdo qualquer. Ora, se a lei é "para inglês ver",  por que cargas d'água preocupar-se se ela faz sentido? Se a lei é "para inglês ver", por que preocupar-se com o pobre coitado que será preso porque o guarda tinha algum interesse em vê-lo preso e a lei absurda veio bem a calhar, que terá que amargar anos de cadeia enquanto seu caso arrasta-se de instância judicial em instância judicial, até ir tomar o tempo precioso de um ministro do Supremo Tribunal Federal?

Faltando o reconhecimento da autoridade, sobra a arbitrariedade policial, sobra poder nas mãos do que teoricamente agiriam em prol do cidadão comum e contra a aberração criminosa.

Somando-se isso aos baixíssimos salários que normalmente são pagos aos policiais, temos uma situação difícil. Há certamente uma minoria que entra para uma força policial na esperança e no afã de agir em benefício da sociedade, eliminando de seu convívio a aberração criminosa. A maioria, porém, é composta infelizmente por pessoas de poucos escrúpulos, que percebem o poder desproporcional que lhes é dado por um distintivo policial. Aos primeiros é dificílimo manter-se na honestidade: é necessário fazer "bicos" e mais "bicos" (que agora estão sendo legalizados no Rio - o policial passa a ter o "direito" de trabalhar como segurança particular para poder comer honestamente), é necessário calar-se diante de abusos e fechar os olhos à corrupção. Aos segundos é dado o paraíso na terra: a extorsão ilimitada de tudo e de todos (quem não está infringindo uma lei sem o saber, como eu - talvez - no caso das tais rodas ilegais?), virtual certeza de impunidade, poder praticamente sem limites. Estes andam de carro do ano, com salários de quatrocentos reais por mês. Estes dominam a polícia, esta arma de coerção contra o cidadão comum em um país onde inexiste a autoridade legítima.

E durma-se com um barulho desses.


©Prof. Carlos Ramalhete - livre cópia na íntegra com menção do autor

A Lei Humana em São Tomás


Na visão de S. Tomás, chama-se lei àquilo que “é regra e medida do ato, pelo qual é-se induzido a agir ou tem-se a ação restringida; diz-se ‘lei’ aquilo que ‘liga’, pois obriga à ação” (ST I-II, 90,1)A lei é necessariamente algo racional, dirigido ao bem comum e emanando de uma autoridade legítima: “[A lei] nada mais é que não uma ordenação da razão para o bem comum promulgada por quem dirige a comunidade” (ST I-II, 90,4) .

Ela não é, contudo, fruto apenas da razão humana, sem qualquer referência exterior. Ao contrário: para S. Tomás a lei humana é necessariamente apenas um aspecto da justiça, dependendo necessariamente por derivação racional da lei eterna e da lei natural para uma justa ordenação da vida em sociedade. Ius quod justum, Direito é o que é direito, ou justo.

Sendo assim, a lei é sempre necessariamente algo que depende da justiça, e leva, ou ao menos conduz, à justiça. Vejamos como isto ocorre. Antes de mais nada, é necessário que façamos uma breve explicação do que o Doutor Angélico quer dizer com “lei eterna”, “lei natural” e “lei humana”.


A lei humana insere-se necessariamente, no pensamento do Doutor Comum, em um contínuo de coerência moral que vai da consciência individual à ratio divina, a “razão divina” de Deus, que governa toda a Criação como a primeira e maior de todas as comunidades perfeitas. Esta ratio divina, lei suprema que é, é também chamada “lei eterna”. Ela é o que que dá a coerência de toda a criação. Ela é a ratio, ou razão, de Deus, e como tal está fora do alcance da razão humana:

De duas maneiras se pode conhecer algo: primeiro nele mesmo, e em segundo lugar em seu efeito, onde se encontra alguma similitude sua. Assim quem não veja o sol em sua substância o conhece por sua radiação. Podemos assim dizer que a lei eterna ninguém pode conhecer tal como é em si, a não ser os bem-aventurados, que vêem Deus por Sua essência. Cada criatura racional a conhece segundo a irradiação dela, seja maior ou menor. Tudo o que se conhece de verdade é como irradiação da e participação na lei eterna, como disse Agostinho no livro De Vera Relig.: Todos conhecem assim algo da Verdade, ao menos quanto aos princípios comuns da lei natural. Quanto aos outros, eles participam mais ou menos do conhecimento da verdade, e deste modo conhecem mais ou menos a lei eterna. (S.T. I-II,93,2)

Trata-se de uma lei imutável; esta lei, por ser expressão da razão divina, que não muda por ser Deus ato puro, é também necessariamente imutável:

Conforme foi dito acima, nada mais é a lei que um ditame da razão prática de um príncipe que governa uma comunidade perfeita. Ora, é evidente, sabendo-se que o mundo é regido pela divina providência, como está na Primeira Parte [da Suma: I,22,1-2], que toda a comunidade do Universo é regida pela Razão Divina. Logo, é na própria idéia de governo das coisas em Deus como príncipe de tudo o que existe que a lei encontra razão. E como a razão divina a nada concebe no tempo, mas tem conceito eterno, conforme Prov. VIII, assim é que este tipo de lei pode ser dita eterna. (ST I-II,91,1)

Cabe notar que este conceito de ratio divina poderia ser expresso hoje em dia com um vocabulário menos teológico apelando-se àquilo que, em última instância, é o foco da busca de todos os físicos, astrofísicos, etc.: a ratio, ou ordenação, de todo o Universo. Aplicando-se o pensamento tomista às mais recentes descobertas físicas, é a ratio divina que dá o sentido e a unidade de, por exemplo, a gravitação universal e a teoria da relatividade. O trabalho dos astrofísicos nada mais é que a busca de uma compreensão, de uma descoberta do modus operanti desta ratio divina no universo criado. É esta mesma ratio, portanto, que irá presidir e orientar os processos de geração, manutenção e degeneração celular (logo tornando possível a vida e a morte, o homicídio e o socorro, a manutenção de propriedade e sua transmissão, etc.), os processos climáticos, a deriva continental, a operação neurológica e psicológica da psique humana, etc. Em suma, é ela o que liga tudo o que tem uma ordem no Universo; cada ordem inferior (seja a da física de micropartículas, seja a da biologia celular; seja a do funcionamento psicológico do homem, sejam as leis do mercado...), quando natural, é algo necessariamente inserido nela. Quando compete ao homem reconhecer e - em algumas circunstâncias, como veremos adiante - positivar uma expressão desta ratio, é mister que o faça tendo-a em vista. Disto dependerá o acerto do reconhecimento e a justiça da positivação, exatamente como disto - da adequação da coisa estudada ao intelecto - depende a veracidade de uma afirmação ou de uma (suposta) descoberta científica.

A partir desta ratio, portanto, temos a lei natural, parte acessível à Razão desta ratio divina.. A lei natural, também tendo sua origem em na mesma ratio que orienta e fornece a base da própria existência humana, é evidentemente conforme à natureza humana. Assim como a lei eterna é aquilo que dá coerência ao conjunto da criação, a lei natural, para os homens, é simplesmente o conjunto das regras  necessárias à ordenação correta dos atos de acordo com a natureza humana: a participação do homem, que é racional, na lei eterna:

Como tudo o que está sujeito à Divina Providência é regulado e medido pela lei eterna (...) é manifesto que tudo dela participa na medida em que, pela impressão desta Lei, as criaturas se lhe inclinam em seus fins e atos próprios. Entre todas, a criatura racional está sujeita à Divina Providência de modo mais excelente que todas as outras, na medida em que ela mesma se faz partícipe da Providência ao prover para si e para outros. Assim, ela tem uma participação na razão eterna pela qual naturalmente se inclina para os devidos atos e fins. Tal participação da lei eterna nas criaturas racionais é dita lei natural. Assim o Salmista, após dizer oferecei sacrifícios justos, quando perguntado sobre o que são as obras de justiça, acrescentou Muitos dizem: Quem nos fará ver o bem? A esta questão ele respondeu dizendo Levanta sobre nós a luz de Vossa Face, Senhor: esta é a luz da razão natural, pela qual discernimos o que seja bom ou mal, que pertence à lei natural, e que nada mais é que a impressão da divina luz em nós. É assim patente que a lei natural nada mais é que a participação da lei eterna na criatura racional. (ST I-II,91,2)

Ora, a natureza humana é também sempre a mesma: por mais que mudem os costumes das sociedades, por mais que algumas coisas sejam aceitas agora e não mais o sejam em algumas gerações, a natureza humana, contudo, continua sempre a mesma. A lei natural, assim, é também imutável e deve necessariamente ser respeitada e refletida por qualquer lei humana.

Dos preceitos básicos da lei natural, porém, é possível extrair uma infinidade de outros preceitos e regras que devem ser adeqüados a cada situação, a cada sociedade, a cada tempo. Assim sendo, há necessidade de uma lei humana positiva e passível de modificações, promulgada pelo governante ou adotada como costume pelo povo como um todo, de modo a regular a aplicação da lei natural imutável às circunstâncias particulares daquela sociedade naquele momento.


É à lei humana que se refere a descrição dada por Santo Isidoro da lei positiva, corroborada pelo Doutor Angélico:

A lei deve ser honesta, justa, possível segundo a natureza, seguindo com os costumes do país, adequada ao lugar e o tempo, necessária, útil; expressa claramente, para que por sua obscuridade ela não leve a uma má compreensão; feita não para benefício particular, mas para o bem comum dos cidadãos. (Santo Isidoro, Etym. 5,21, in ST I-II,95,3)  

Esta é também aquela de que tratamos neste trabalho. Como vimos acima, ela deve necessariamente ser justa, ou seja, atender da melhor maneira possível à justiça, e visar o bem comum dos cidadãos. São Tomás ensina que a lei humana tem a sua origem nos homens: ou na totalidade da população, ou naquele que recebeu de Deus o poder de, de certa forma, representá-la. Em todo caso, contudo, sua validade depende ainda de sua conformidade à lei natural e à lei eterna.
 

Trata-se, portanto, de uma lei que adeqüa o que é eterno – a Justiça, expressa de sua forma mais perfeita na lei eterna e acessível ao homem sob a forma de lei natural – às circunstâncias particulares de cada país. A lei humana, portanto, será composta de conseqüências e interpretações da lei natural, promulgadas como lei positiva pelo governante ou adotadas como costumes pela totalidade do povo de modo a ordenar – logo moralizar – a sociedade.

Temos portanto, na visão jurídica do Doutor Angélico, uma nítida escala entre as diferentes esferas da lei: o seu grau mais alto é a lei eterna, presente desde sempre na Razão Divina e atuando através da Divina Providência. Como participação do homem nesta lei temos a lei natural, conforme à natureza humana e adeqüada para conduzir o homem a uma própria ordenação de seus atos e fins. Finalmente, desta feita já sob a responsabilidade social do homem, a lei humana. Esta não é necessariamente perfeita, mas deve estar, mesmo assim, de acordo com a lei eterna e a natural.

A lei humana é para o Aquinate fundamentalmente uma maneira de treinar o homem para que a virtude se torne nele um hábito, levando-o assim a comportar-se de maneira ordenada e própria a sua condição:

O homem tem uma aptidão natural para a virtude, mas à própria perfeição da virtude o homem deve aceder por alguma disciplina ou aprendizagem. Assim é que observamos que o homem é auxiliado pela sua destreza em sua necessidade, por exemplo, de alimentos e de roupas. Por natureza ele já possui o que é necessário para começar, ou seja, a razão e as mãos, mas não tem o complemento completo, como os outros animais a quem a natureza já deu cobertura e alimento suficiente. Não é fácil ver como o homem poderia chegar sozinho a tal disciplina ou aprendizagem, pois a perfeição da virtude consiste principalmente em retrair-se o homem de deleites indevidos aos quais todos os homens são inclinados, especialmente os jovens, sobre quem é mais eficaz a disciplina. Logo, para chegar assim a esta disciplina, pela qual se alcança a virtude, os homens dependem de outros. Quanto àqueles jovens que se inclinam a atos de virtude por boa disposição natural, pelo costume ou pela graça de Deus, basta-lhes a disciplina paterna que age por admoestações. Como contudo ocorre que outros sejam depravados e inclinados ao vício, não sendo facilmente movidos pela palavra, faz-se necessário restringi-los por força e medo para que ao menos cessem suas vilanias e deixem os outros viver em paz, e que assim eles mesmos, habituando-se deste modo, possam ser levados a fazer voluntariamente o que até então faziam por medo e assim se tornem virtuosos. Ora, este tipo de disciplina que compele pelo medo da punição é a disciplina da lei. Portanto, para que o homem pudesse estar em paz e viver virtuosamente, faz-se necessário que haja leis, como disse o Filósofo em I Polit.: assim o homem, se for perfeita sua virtude, é o maior dos animais; assim, se separado da lei e da justiça, é o pior de todos; pois o homem tem a arma da razão, de que não dispõem os outros animais, para saciar sua concupiscência e ferocidade. (ST I-II,95,1,co)  

 Vemos assim que a lei humana está, em São Tomás, inextrincavelmente ligada à moral: a lei humana é na verdade uma maneira de moralizar o conjunto da sociedade, visando a todos e cada um ao mesmo tempo, de modo a buscar a mais perfeita ordenação possível da sociedade humana e de cada homem à lei natural e, por esta, à lei eterna. Trata-se, assim, de algo indispensável à justiça social. Não se trata de agradar à maioria; não se trata de defender privilégios de uns ou de outros; trata-se, sim, de uma maneira de assegurar, ou ao menos tornar possível, a ordem em uma sociedade.

Cada homem tem a sua consciência, e esta consciência importa ser bem formada. A formação desta consciência ocorre, em primeiro lugar, pelas admoestações paternas; quando elas apenas não são eficazes, cabe à sociedade como um todo, através dos intrumentos do Direito, esta formação. Em momento algum, contudo, perde-se de vista o fato moral e o livre-arbítrio humano; o homem é sempre capaz de decidir, e deve ser levado a compreender e internalizar, sempre da maneira mais suave possível, as regras que lhe permitem não só o convívio social como o seu próprio crescimento moral dentro da sociedade.

Esta visão, no meio termo ótimo entre a visão do homem como célula indissociável da sociedade, segundo o modelo clássico grego, e da visão moderna do homem como indivíduo autônomo ligado apenas contratualmente a uma sociedade, apresenta-nos um delicado porém sólido equilíbrio que faculta indubitavelmente uma visão do Direito que possa respeitar tanto as demandas da sociedade quanto a dignidade de cada homem.

Nem o elemento da Pólis que não pode ser concebido fora dela, nem o indivíduo que relutantemente aceita um contrato social de modo apenas a evitar sua rápida destruição na guerra de todos contra todos, mas sim um homem que é animal político sem perder sua individualidade e dignidade pessoal, que vive em sociedade de maneira ordenada, possibilitando assim um crescimento em virtude pessoal e social. Tal é o homem no Direito tomista.

O bem comum deve ser, como vimos, o fim buscado pela legislação:

O que é para um fim deve ser proporcionado a ele. O fim da lei é o bem comum, como disse Isidoro no livro das Etimologias: a lei deve ser feita não para benefício particular, mas para o bem comum dos cidadãos. Assim, convém que as leis humanas sejam proporcionadas ao bem comum. Ora, este bem comum é compreendido de muitas coisas. Do mesmo modo convém que a lei considere muitas coisas, e esteja de acordo com as pessoas, com os assuntos de que trata e com os tempos. Isso porque a comunidade cívica é constituída de muitas pessoas, e o bem delas é obtido por muitas ações; ela tampouco deve ser instituída de modo casuístico para durar pouco tempo, sim perseverar por todos os tempos, através da sucessão das gerações de cidadãos, como disse Agostinho no livro XXII da Cidade de Deus. (ST I-II,96,1)

Este bem comum, porém, nunca deve ser perdido de vista; é assim facultado ao homem agir à margem da lei quando os fins a que ela se destina forem melhor cumpridos pela ação “ilegal”:

Disse Hilário no livro IV do De Trinitate: a compreensão do que é dito vem do motivo que levou a dizer, pois as coisas não devem ser sujeitas às palavras, mas sim as palavras às coisas. Assim, mais vale atender à causa que moveu o legislador que à própria letra da lei. (ST I-II,96,6)

Esta lei deve estar de acordo com a lei natural; deve estar, como esta, de acordo com a lei eterna. Uma lei que não obedeça a tais condições, ensina o Aquinate, simplesmente não é lei, mas sua corrupção:

Segundo disse Agostinho no livro I de Do Livre Arbítrio: não se vê que seja lei o que não for justo. Assim, o quanto uma lei tem de justa ela terá de legalidade. Nas coisas humanas é dito justo o que é reto segundo a razão. Ora, a primeira regra da razão é a lei natural (...). Logo, toda lei humana tem caráter de lei na medida em que deriva da lei natural. Se em algum ponto ela discorda da lei natural já não é lei, sim corrupção da lei. (ST I-II,95,2)

Nunca é perdido de vista, tampouco, o papel do foro íntimo, da consciência de cada indivíduo. A lei humana necessariamente obriga em consciência, a não ser que seja injusta. Mesmo as leis injustas, contudo, se não forem opostas ao bem divino, podem suscitar obediência para evitar o escândalo:

As leis feitas por homens são ou justas ou injustas. Quando são justas, elas obrigam em consciência a partir da lei eterna de que derivam, de acordo com Prov. VIII: por mim reinam os reis, e por mim decretam os legisladores o que é justo. Diz-se que as leis são justas por seus fins, ou seja, quando são ordenadas ao bem comum; pelo autor, ou seja, quando a lei não excede o poder do legislador; e pela forma, ou seja, segundo a eqüidade da proporção em que seus ônus são impostos aos súditos em vistas ao bem comum. Pois, já que cada homem é uma parte da população, em tudo o que o homem é e tem ele é parte da população, tal como uma parte, em tudo o que é, é parte do todo. Assim, também a natureza inflige um detrimento a uma parte e salva o todo. Deste modo leis que infligem ônus proporcionais são justas e obrigam no foro da consciência, e são leis legais. Por outro lado, leis podem ser injustas de dois modos. Um modo é pela contrariedade ao bem humano, sendo contrária ao que foi dito acima: ou pelos seus fins, como quando um presidente impõe leis onerosas aos súditos sem que sejam pertinentes à utilidade comum, sim à sua cupidez e vanglória; ou ainda pelo autor, como quando alguém faz uma lei que ultrapassa o poder que lhe foi conferido; ou ainda pela forma, quando os ônus são espalhados sem eqüidade pela população, ainda que se busque o bem comum. Estas são assim mais violências que leis porque, segundo disse Agostinho no livro Do Livre Arbítrio: não se vê que seja lei o que não for justo. Assim, tais leis não obrigam no foro da consciência, a não ser para evitar o escândalo ou a perturbação, caso em que o homem deve ceder seu próprio direito, segundo Mt. V: se alguém te obrigar a dar mil passos, vai com ele mais outros dois mil e ao que the tirar a tua túnica, cede-lhe também a capa. Do mesmo modo, as leis podem ser injustas por contrariarem o bem divino, tal como as leis promulgadas por tiranos induzindo à idolatria ou a qualquer outra coisa que seja contrária a lei divina. Tais leis não é lícito observar, porque segundo o que é dito em At. V, devemos antes obedecer a Deus que aos homens. (ST I-II,96,4)

Como vimos, para o Aquinate é requerido que uma lei seja necessária para que ela seja válida. Do mesmo modo, ela deve ser promulgada por quem tenha autoridade legítima para fazê-lo, ou seja, o governante:

Como foi dito, a lei é imposta aos outros como regra e medida. Ora, uma regra ou medida é imposta ao ser aplicada a quem é regrado ou medido. Logo, para que uma lei obtenha a virtude de obrigar que é própria a uma lei, convém que seja aplicada aos homens que por ela devem ser regulados. Ora, tal aplicação é feita pelo anúncio a eles de sua promulgação. Assim, a promulgação é necessária para que a lei tenha virtude de lei.  Dos quatro artigos precedentes é possível portanto coligir uma definição de lei, que nada mais é que: aquilo que é ordenado pela razão ao bem comum e promulgado por aquele que cuida da comunidade. (ST I-II,90,4)

Ela pode também ser “promulgada” pelos costumes do povo, já que para São Tomás o poder de promulgar leis do soberano decorre de ele representar o povo:

A população em que é introduzido um costume pode estar em duas condições. Se se tratar de um povo livre, que pode fazer suas próprias leis, mais vale o consenso do povo manifestado pela observação de um costume que a autoridade do princípe, que não tem poder de outorgar leis senão enquanto representante pessoal do povo. Assim, ainda que pessoas sozinhas não possam fazer leis, a totalidade da população o pode. Se contudo o povo não tem o poder livre de dar-se leis ou abolir leis promulgadas por autoridade superior, ainda assim um costume de tal povo obtém força de lei na medida em que é tolerado por aqueles a quem pertence impôr a lei à população, já que assim é visto que aprovam o costume.  (ST I-II,97,3)

Como se pode perceber, a visão do sábio Doutor é assim não apenas completa, como pode oferecer-nos, hoje, um quadro em que verificar e sopesar a legorréia que freqüentemente acometece nossos legisladores, assim como a arbitrariedade penal por ela causada. Parece-nos assim que este seja o momento adequado para que a visão do Direito de S. Tomás seja novamente considerada; sua ordenação sem solução de continuidade de todos os planos ora isolados da legislação pode oferecer a melhor solução para os dilemas atuais.

Neste momento, em que grassam os conflitos inerentes à diminuição da autonomia jurídica dos estados nacionais – causada pelo surgimento de não apenas uma legislação internacional, mas também de um aparato jurídico transnacional capaz de levar ao banco dos réus antigos ditadores – ao mesmo tempo em que novas formas de autodeterminação e identidade local ganham força, urge adotar uma forma de pensar o Direito que compatibilize todos os níveis de autoridade e dê à legislação um arcabouço coerente em todos os níveis, levando também em consideração de maneira humilde e justa as demandas ambientais, climáticas, etc., que sem a noção tomista da ratio divina não têm hoje como ser levadas em consideração.


© Carlos Ramalhete - Livre cópia e difusão do texto em sua íntegra com menção do autor.

Pedofilia


Caros leitores, escrevo-lhes espantado, pedindo-lhes que dêem suas opiniões sobre alguns insights e constatações que venho tendo e que, francamente, me assustam. Segue, em forma ainda algo incipiente, o que tenho constatado acerca da questão atual da pedofilia:

1 - Há uma vasta campanha em curso visando fazer com que a pedofilia tenha aceitação social ampla:

1a. Há apenas cinco anos atrás, só havia a NAMBLA (North American Man-Boy Love Association, Associação Americana [em favor] do Amor Homem-Menino), cujos líderes eram procurados pela polícia, etc.

1b. Hoje temos não apenas a Nambla, já "respeitada" e abrigada pela lei de direitos de expressão nos EUA, mas um vasto movimento no meio acadêmico, que já cunhou até mesmo uma expressão politicamente correta para a pedofilia ("Intimidade Intergeracional") e publicou livros aos magotes afirmando que a pedofilia é benéfica para as crianças.

1c. No meio não-acadêmico, a pedofilia está em ascensão: 

1c1.Soube que na novela das sete da TV Globo há uma personagem que promete "mostrar-se" a dois menininhos, e deles consegue o que quer, apresentada como no máximo "safadinha", não perversa e abominável. Não vi ainda, não tenho como constatar.

1c2. Faz sucesso nos rádios uma "música" de uma moça que se assina "Kelly Key", em que ela diz a um sujeito que ele deveria ter se aproximado dela antes, mas como não quis por ela ainda ser criança, agora que ela cresceu ele só pode "babar". Em entrevista recente ao jornal "O Dia", ela afirmou que compôs a música a partir de uma experiência sua, quando um professor(!) de educação física rejeitou seus avanços sexuais quando ela tinha nove anos de idade(!), e só se interessou por ela tarde demais(!!), quando ela tinha dez ou onze(!!!). No vídeo-clip, que paguei meus pecados assistindo, um professor assiste um strip-tease de uma aluna (jovem adulta) escondido em uma janela no prédio defronte, e ela sabe disso e o atiça. Ainda que não seja tão explícito quanto o afirmado na entrevista, relação professor-aluno é assemelhada à pai-filho; para um bom professor, seus alunos são sempre crianças por definição. Mesmo quem nunca pensou sobre isso age assim naturalmente, o que faz com que esta indução a uma relação sexualizada entre professor e aluno esteja dentro deste quadro de propaganda da pedofilia.

1c3. Os meios de comunicação de massa se esmeram em misturar crianças e apelo sexual, seja diretamente (como recentemente, ainda no mesmo jornal O Dia - que por sua moral laxa apresenta antes que os outros por escrito reflexos do que se vê na TV - quando reportagem de moda apresentou uma atriz de seus onze anos de idade que era apresentada como "uma Lolita"), seja indiretamente (como uma das primeiras ocorrências desta campanha, o chamado "baby look", quando moças feitas usavam roupas justas com figuras de desenhos animados, marias-chiquinhas nos cabelos, etc.).

1c4. Do mesmo modo, as crianças de dez e onze anos de idade são incentivadas a vestir-se de maneira sensual e, pelo menos, "ficar" em festas. Uma menina de onze anos de idade que jamais teve uma língua alheia a poucos centímetros de suas amídalas é vista pelas colegas como uma fracassada. Isso começou quando a Srta. Xuxa, há cerca de seis ou sete anos atrás começou a vestir as meninas de prostitutas sadomasoquistas. Lembro-me de meu espanto ao desembarcar no Aeroporto do Galeão e ver todas as meninas impúberes vestidas de minissaias de couro, botas e correntes. Faltava então apenas o chicote, que veio depois com a "Tiazinha" (outra apelação indireta à relação professora(a}/aluno). Do mesmo modo, os cadernos escolares hoje trazem fotos de homens e mulheres fazendo poses sensuais, ainda que (por enquanto?) semi-vestidos.

1d. Podemos assim dizer que a visão de pedofilia apresentada nos meios de comunicação de massa atualmente é aproximadamente equivalente à apresentação do homossexualismo há cerca de trinta anos atrás. Enquanto hoje a Srta. Kelly Key manda que apenas "babe" o sujeito que se recusou à pedofilia e depois se arrependeu, há trinta anos atrás Mick Jagger e David Bowie eram "flagrados" na cama pela esposa de um deles (notícia amplamente divulgada então, o que não seria o caso se não houvesse interesse em relacionar o papel de modelos para adolescentes destes cantores com a sodomia); enquanto hoje uma atriz de onze anos faz caras e bocas e posa de "Lolita", trinta anos atrás Ney Matogrosso afirmava-se "andrógino", etc..

2 - Toda oposição ou é ridicularizada ou exacerbada para que ridicularize a si mesma por parecer excessiva quando confrontada com a "calma" dos meios de comunicação de massa acerca do tema.

2a. Basta que vejamos, por exemplo, estas absurdas acusações de pedofilia feitas a padres sodomitas e pederastas (mas não pedófilos). O propósito me parece evidente. Além de permitir que se combata a Igreja (o que acusações de sodomia não permitiriam, posto que os acusadores só poderiam acusar a Igreja de reprimir a "saudável" sexualidade sodomita dos padres), isto prepara o terreno para que venha um discurso (que já está botando sua cara feia de fora) de que é a exigência de celibato que faz isso ou aquilo, etc., mais ou menos o mesmo que foi feito para preparar o caminho para a aceitação social da sodomia. Há um artigo interessante sobre isso do Olavo de Carvalho no Globo de ontem: http://oglobo.globo.com/colunas/olavo.htm .

2b. O combate à pedofilia cada vez mais toma uma forma "medicalizada", falando não de criminosos, mas de pessoas que têm uma doença. Quem ousa falar de criminosos é ostracizado. A próxima etapa seria dizer que a doença não é doença, como foi feito com a sodomia.

2c. As reportagens sobre sexualização da infância jamais vêm junto com as sobre pedofilia (no máximo um quadro lateral procura "apontar a diferença para que não se tome conclusões apressadas"). As primeiras procuram "provar" que as reclamações são coisa de reacionários fanáticos que não percebem que os tempos mudaram, e as segundas ou pintam o pedófilo como um pobre doente que precisa de ajuda (leia-se "não de condenação") ou procuram atribuir a pedofilia ao celibato, etc.

2d. As próprias teses freudianas sobre as causas da pedofilia (despertar precoce da fase de latência causado por estimulação de natureza sexual antes do tempo, para resumir muito) - que quando contrapostas às suas teses sobre a sexualidade infantil ("perversos polimorfos sexuais", é como o barbudo vienense chamava as crianças) mostram que mesmo que a criança tenha uma sexualidade, ela é diferente da do adulto e não deve ser posta em contato com esta - sumiram dos meios de comunicação de massa, persistindo apenas o discurso freudiano, apontado pelo Olavo de Carvalho, que ressalta a existência de uma sexualidade na criança.
Peço comentários.
©Prof. Carlos Ramalhete - livre cópia na íntegra com menção do autor